22/04/2009

Que corpo é esse?

Sou bailarina, ou será que sou atriz? Para dizer a verdade a todos tento ser uma pessoa num mundo que cada vez mais me espanta . Escolhi como profissão trabalhar o corpo, e isto tem me exigido por vezes uma certa coragem, uma certa dose de rebeldia contra uma enxurrada de formas cada vez mais arraigadas . Nos últimos 10 anos, atuando como arte-educadora percorri vários lugares, principalmente da periferia de São Paulo. Me entristeci ao ver jovens de seus quinze tenros anos com absurdas tensões e principalmente com a imagem vendida de um corpo ideal ( o mundo da aparência:cabelos têm que ser lisos,sorriso sempre perfeito,corpo é na academia,a essência em alguma gaveta).
Numa explosão de incentivo ao consumo, nos fizeram acreditar num corpo que não tem pele, tem roupas; um corpo que não tem ossos, músculos, vísceras, ar – é um bloco esculpido, numa perseguição insana por medidas perfeitas. Esse bloco-corpo já não se articula, não se relaciona, tornou-se rígido e não tem espaço. Arrastamos essa forma, meio viva, meio morta, centrada e fechada em si mesma.
Mas as pessoas precisam de espaço, presença, contato e troca!Então se abre uma brecha para o criativo se infiltrar apontando outras possibilidades: a consciência de seu próprio espaço-corpo, o respeito a si mesmo, a expressão pelo movimento e o desdobramento de tudo isso em pessoas mais presentes, verdadeiramente vivas. Aproveitando essas brechas, esse desejo por humanizar o corpo, consegui muitas vezes me alegrar ao ver transformações significantes de dentro para fora, na conscientização da existência do corpo como instrumento de expressão e comunicação do mundo interno-pessoal com o mundo externo, estabelecendo de maneira efetiva esse diálogo.
É só a partir da experiência e vivência do corpo em suas estruturas internas que se pode pensar em contato e em troca com o meio e com o outro! Se sua pele já não sente e ela é a intermediária entre espaço interno e externo, é impossível entrar em contato. Se não existe espaço entre os ossos e seu eixo se tornou rígido, é impossível agir, reagir, trocar, ser flexível. Se os sentidos estão mecanizados, sua experiência do mundo externo é incompleta e coisas simples como olhar, ouvir, conversar tornam-se experiências também incompletas.

Não digo a ninguém que seja um processo fácil, não, muitas vezes é um caminho dolorido, onde não nos reconhecemos nessa forma moldada, nos incomodamos porque simplesmente ficamos mais despertos e sensíveis. Mas com certeza nada é mais encantador e fascinante do que o corpo despido de fôrmas, lindamente único e livre para SER.

Virgínia Costabile
Integrante do Núcleo MOTIN

2 comentários:

Ge Macedo. disse...

Foram dez anos trabalhando com o corpo mas me pareceu 100 anos de trabalho com a mente! amei sua critica visão do corpo em função da simples existencia. gostaria de sua autorização para postar em meu blog com a devida referencia a autora e ao site.

Eden disse...

Adorei o post. Muito bem escrito. Parabéns.