31/05/2009

ARTISTAS TRABALHANDO EM REDE NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO

Por Aldo Valentin


“Estamos sempre em regime capitalista.
Os pequenos e grandes acionistas controlam seus dividendos, e o mundo move-se, quando as Bolsas se movimentam; os salários dos trabalhadores são irrisórios, comparados aos orçamentos gigantes das empresas multinacionais; os consumidores são impotentes diante dos produtos, cuja qualidade é determinada pelos cálculos financeiros, que nada têm a ver com suas necessidades reais. Mais do que nunca, a produção e as trocas servem ao aumento da reprodução do capital e se organizam segundo as normas e as prioridades do mercado mundial. Mais do que nunca, a prosperidade das empresas se define pela rentabilidade de seus investimentos e a competitividade de seus produtos. Mais do que nunca, a interpenetração do capital industrial e do capital financeiro é a chave do poderio econômico”.
[1]
Chesneaux, Jean. Modernidade – Mundo.

1- INTRODUÇÃO
Inicio a minha colaboração com o MOTIN – Movimento de Teatro Independente, citando o pesquisador francês Jean Chesneaux, propondo contextualizar as problemáticas enfrentadas pelo setor artístico no processo de consolidação da importância social do artista e da arte nesta fase do capitalismo globalizado. Saliento que o fazer artístico não está imune a tal contexto e que por isso proponho uma breve reflexão sobre como tais fenômenos interferem nos processos artísticos.
Proponho também uma breve reflexão sobre a globalização, o desenvolvimento de ações em rede e as possibilidades que os artistas encontram para florescer em um contexto tão árido, quando se propõe a cooperar através do estabelecimento de ações em rede.

2 – CONTEXTO GERAL: A GLOBALIZAÇÃO
A globalização não é só um fenômeno econômico. Ela transforma a forma de organização das sociedades ao absorver com seus tentáculos: os indivíduos, os sistemas culturais, a política, o Estado-nação, a economia, a tecnologia e os processos de comunicação. Portanto, a arte nessa conjuntura passa a ser vista apenas como produto ou só mais um meio para a divulgação de produtos, serviços e marcas das grandes multinacionais. Segundo Octávio Ianni,
“tudo se desterritorializa e reterritorializa. Não somente muda de lugar, desenraiza-se circulando pelo espaço, atravessando montanhas e desertos, mares e oceanos, línguas e religiões, culturas e civilizações. As fronteiras são abolidas ou tornam-se inócuas, fragmentam-se e mudam de figura, parecem mas não são. Os meios de comunicação, informação, transporte e distribuição assim como os de produção e consumo, agilizam-se universalmente. As descobertas cientificas, transformadas em tecnologias de produção e reprodução, material e espiritual, espalham-se pelo mundo. A mídia impressa e eletrônica, acoplada a indústria cultural, transforma o mundo em paraíso das imagens, videoclipes, supermercados, shopping centers, Disneylândias”
[2].
Ou seja, a ação avassaladora da globalização muda também às formas de fabular, de criar, de produzir, de difundir e de apreciar a arte, permitindo poucas opções como possibilidade e transformando a diversidade cultural em um produto que tem que se encaixar em um ‘padrão-mercadoria’,
“a dimensão sociocultural da globalização corresponde às mudanças provocadas pelo fenômeno na compreensão do indivíduo como parte de uma comunidade e no seu papel para a formação do pertencimento social nos seus diversos níveis. Envolve questões como a alteração de padrões culturais, a de formação de redes de pertencimento social, a identidade cultural dos indivíduos e dos grupos locais, os movimentos sociais organizados e não-organizados.”
[3]
Dentro desta dinâmica, a ação da globalização atua ferozmente no sentido de transformar tudo e todos em parte integrante da sua proposta de ‘sociedade global’. Seu alvo principal é o indivíduo, que dentro deste cenário não busca mais a compreensão dos valores do cotidiano, das suas raízes, das suas tradições ou do seu contexto local, mas preocupa-se apenas em ter o ‘status’ e integrar o ‘padrão global’, através do poder, do dinheiro e da fama momentânea.
Mesmo o Estado foi desconfigurado e está enfraquecido na sua tentativa de regular a sociedade civil nacional, devido a exponencial diminuição do seu poder de intervenção, controle, direção e indução de ações benéficas à maioria da população. Os governos são obrigados a dividir e compartilhar a soberania dos Estados que governam com outras forças que atuam além do território nacional, para saber o que é viável regular e quais de suas normas serão respeitadas nesse contexto de ‘interdependência’ global’
[4]. Quando tentam formular leis e aplicá-las, os governos são forçados a levar em consideração o contexto econômico-financeiro internacional, ouvir e - muitas vezes - ceder às opiniões e pressões das grandes empresas transnacionais e dos diversos organismos internacionais existentes[5].
Devido a esses motivos e outros são complicadas as mudanças estruturais necessárias no campo cultural, a implantação de uma política cultural sólida e eficaz não existe em função de políticas partidárias reacionárias, as alterações urgentes na Lei Rouanet enfrentam barreiras devido a pressão das empresas, dos grandes captadores de recursos e das grandes agencias de marketing e publicidade, a regionalização da produção em televisão não acontece de fato devido a intervenção das grandes redes de tv, as propostas para fortalecimento do cinema nacional autoral enfrentam barreiras devido a ação dos grandes veículos de comunicação, ou ainda as dificuldades enfrentadas para que o orçamento do setor cultural seja ampliado, tendo em vista que muitos administradores públicos consideram a cultura como apenas um gasto e não investimento, só para citar alguns exemplos de até onde o fenômeno da globalização pode interferir de forma prática e contundente nos processos de criação, financiamento, difusão e apreciação das artes.
Desta forma torna-se necessário a participação dos artistas no processo de compreenção desses fenômenos para sua atuação eficaz com objetivo de frear esse movimento globalizante mordaz e a atuação em rede me parece bem pertinente como antídoto as ações da globalização que tentam ‘pasteurizar’ os sistemas culturais, conforme veremos a seguir.

3 - AS POTENCIALIDADES DA REDE
Para a compreensão da Rede, é interessante a leitura do livro “Sociedade em Rede” de Manuel Castells, onde esse pesquisador aponta com bastante detalhe a dinâmica da sociedade na era da informação.
Embora conceitualmente atuar socialmente em rede é um processo que deriva da ação da globalização sobre a tecnologia, a comunicação, a informação e as formas de pensar, é possível imaginar também que a atuação em rede pode ser um forte instrumento que amplia as potencialidades das ações dos artistas e da arte neste processo anti-barbárie.
Para Milton Santos, a globalização pode ser freada se pensarmos em uma perspectiva existencialista, onde o centro das atenções se volta novamente ao bem estar dos indivíduos, com o uso do desenvolvimento tecnológico a favor do desenvolvimento social e não apenas para fins puramente econômicos. Milton Santos defende o resgate das culturas regionais e locais como forças vivas que poderão se contrapor a globalização.
No entanto, para ocorrer essa reviravolta, é preciso que os artistas apreendam a trabalhar em rede participando de ações estratégicas que reforcem a importância da existência dos indivíduos enquanto cidadãos em sociedade e não apenas como mero consumidores de ‘produtos-padrões’ como atualmente é proposto pelos detentores da ação da globalização no mundo.
Trabalhar em rede significa trabalhar de forma real, onde as ferramentas principais são: a tecnologia, a comunicação e a velocidade e precisão no fluxo das informações. Podemos entender o movimento de rede, principalmente esse que busca transformações sociais profundas em prol do bem estar da sociedade, observando o ponto de vista do teórico Pierre Levy, onde a rede em si existe como meio de potencializar a ação do outro, não busca a hierarquia ou formalidade, mas tem como objetivo principal a captura de um problema que será resolvido, mas sempre será repensado, não existindo uma só solução estável. Isso se dá, pois as conceituações e as formulações de propostas quando postas em rede são inclusive objeto de inter-relação com a sociedade e com as demais estruturas de poder, que passam a manter um relacionamento igualitário, de interlocução, não se colocando de forma hierárquica como são vistas tradicionalmente. Na rede esse inter-relacionamento é uma forma de ‘potência em devir’ para transformação, pois estabelece outra forma de ver e de resolver os problemas do setor, reconfigurando-o.
Para trabalhar ‘em’ e ‘com’ arte atualmente é necessária a atuação em rede, participar dos debates que são travados hoje pelos artistas, empresários culturais, representantes do Ministério da Cultura, representantes de secretarias estaduais e municipais de cultura, redes de artistas como “MOTIN- Movimento de Teatro Independente”, “Arte contra a barbárie”, “Redemoinho”, “Núcleo de festivais”, “Confederação de teatro amador”, etc. Tendo em vista que participar desses movimentos envolve compreender e agir buscando mudanças sobre como a produção cultural tem sido vista nestas duas últimas décadas, como tem sido financiada e exigindo urgência no estabelecimento de políticas públicas mais eficientes ao setor cultural.
Portanto, a atuação em rede visa facilitar e estimular o indivíduo a participar de coletivos de ajuda mútua, a desenvolver atividades em cooperação e em associação; o objetivo da rede deve ser sempre o de potencializar as ações de valorização da diversidade cultural e os projetos locais.

4 - ARTISTAS TRABALHANDO EM REDE: SUGESTÕES DE AÇÕES PRÁTICAS
Apontarei a seguir algumas ações práticas que podem exemplificar as diversas possibilidades de atuação em rede:
· Possibilidades em de formação
Ø Projetos de formação de grupos: orientação técnica e artística, encontros e oficinas.
Ø Projetos que integrem núcleos artísticos e universidades. (ex.: Lume/Unicamp).
· Possibilidades no campo da criação
A criação tem história e é feita de diálogos múltiplos, há várias possibilidades de trabalhar em rede também na esfera dos processos criativos, nos campos da dramaturgia, da encenação e da interpretação; bem como mantendo uma relação mais intensa com as outras linguagens artísticas (cinema, música, dança, artes visuais) e também outras áreas cientificas que possam colaborar na fundamentação de processos criativos (filosofia, sociologia, literatura, etc.). Pois,
“Hoje, em meio a tantas possibilidades de comunicação, ocasionadas, sobretudo pelo burburinho da internet, ela rompe as fronteiras da autoria e até mesmo a necessidade da presença física do artista no momento da feitura da obra. Nesses processos, não há regras fixas e a experimentação permeia os espaços criativos. Tudo é possível nesse campo, desde concepção em duplas ou em coletivos multidisciplinares até espetáculos e obras construídos por anônimos em rede”.
[6]
· Possibilidades no campo da gestão
Ø Atuação em modo de cooperativa.
Ø Desenvolvimento de associações regionais de artistas, que possam catalisar as necessidades gerais e propor projetos e programas que sirvam a todos os coletivos, grupos e artistas.
Ø Estabelecimento de empresas específicas do setor cultural através de técnicas do empreendedorismo.
Ø Desenvolvimento de consórcios municipais para o desenvolvimento de projetos conjuntos.
Ø Realização de encontros semestrais com todos os secretários municipais de cultura, buscando maior integração, compartilhamento de problemas e soluções para questões que são comuns a todos, transferência de informações sobre gestão e política cultural.
Ø Atuação em parceria com outras áreas que se inter-relacionam com o campo da gestão cultural, tais como: direito, economia, turismo, educação, etc.
· Possibilidades no campo da difusão das artes
Ø Estímulo à criação de festivais, independente do porte do município.
Ø Estabelecimento de calendário e programas de financiamento a festivais.
Ø Atuação em rede e em cooperação com os festivais existentes, sendo na ação de criação e produção de novas obras ou na circulação de espetáculos.
Ø Desenvolvimento de corredores culturais de cultura, facilitando o trânsito dos artistas entre os diversos municípios de uma micro região, barateando o custo e permitindo que pequenos e médios municípios recebam espetáculos que antes não receberiam, pois dividiram os custo com os municípios maiores.
Ø Organização de circuitos e caravanas.
5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Rede é uma teia onde os diversos interlocutores estão interligados, interconectados de forma igualitária e não hierárquica, tendo como base de sustentação a meu ver, 4 fundamentos: a cultura, a educação, a cidadania e a igualdade.
O primeiro passo é reconhecer que o processo de globalização até então hegemônico pode ser controlado, onde através de novas formas de desenvolvimento podemos agir em busca de uma perspectiva de inclusão social, propondo uma outra forma de organizar a sociedade onde os principais fundamentos sejam o estabelecimento de equilíbrios através da busca incessante pelas liberdades e diretos dos indivíduos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BEDIN,Gilmar Antonio. “A Sociedade Global e suas possibilidades de realização:um olhar a partir das relações internacionais”. In: OLIVEIRA,Odete Maria de. JÚNIOR, Arno Dal Ri.(orgs.).Relações Internacionais: interdependência e sociedade global.Ijuí-RS:Ed.Unijuí,2003.páginas 505 a 536.
CASTELLS, Manuel. A Sociedade em rede – a era da informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra,1999.
DELEUZE, Gilles. O ato de criação. Palestra em 1987. in: Folha de São Paulo,27/06/1999.Tradução:José Marcos Macedo.
Faria,José Eduardo (org.). Direito e Globalização Econômica: implicações e perspectivas. São Paulo:Malheiros,1994.página 11.
KUPER, Adam. Cultura: a visão dos antropólogos. Bauru-SP:Edusc,2002.
LEVY. P. O que é virtual ?.São Paulo:Editora 34,1998.
OLIVEIRA,Odete Maria de. JÚNIOR, Arno Dal Ri.(orgs.).Relações Internacionais: interdependência e sociedade global.Ijuí-RS:Ed.Unijuí,2003.
OLSSON,Giovanni. “Globalização e atores internacionais:uma leitura da sociedade internacional contemporânea”. In: OLIVEIRA,Odete Maria de. JÚNIOR, Arno Dal Ri.(orgs.).Relações Internacionais: interdependência e sociedade global.Ijuí-RS:Ed.Unijuí,2003. paginas 537 a 563.
ROCHA, Cristina T. da Costa. BASTOS, João Augusto de Souza Leão A. CARVALHO, Marília Gomes de. “Aspectos da Sociedade em rede na era da informação”.In:Revista de Educação & Tecnologia do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia dos CEFETS PR-RJ-MJ.Páginas 78 a 100.
SANTOS, Milton.Por uma outra globalização. Rio de Janeiro:Record,2000.
Verunschk, Micheliny. “Caiu na rede... é artista! A era da criação partilhada chega às artes”.in:Continuum Itaum Cultural:criação e conexão. São Paulo: Itaú Cultural,11 de junho de 2008.
Artigo escrito originalmente como Comunicação resultante da
participação do pesquisador na mesa redonda “ Trabalhando em Rede” ,
realizado no Teatro Santa Roza em 30 de agosto de 2008, dentro da programação
da XIV Mostra Estadual de Teatro e Dança.
João Pessoa – Paraíba – 22 a 30 de agosto de 2008.
Disponibilizado em:
http://www.administradores.com.br/home/aldovalentim/producao_academica

[1] Chesneaux, Jean. Modernidade – Mundo. Rio de Janeiro:Vozes, 1996. página 189.
[2] Ianni,Octávio.A sociedade global. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira,1996.
[3] Olsson,Giovanni. “Globalização e Atores Internacionais:uma leitura da sociedade internacional contemporânea””.in:Oliveira,Odete Maria de;Júnior,Arno Dal (orgs.). Relações Internacionais:interdependência e sociedade global.Ijuí-RS:Ed.Unijuí,2003.páginas 537 a 560.
[4] Conforme Faria,José Eduardo (org.). Direito e Globalização Econômica: implicações e perspectivas. São Paulo:Malheiros,1994.página 11.
[5] Tais como ONU-Organização das Nações Unidas, OMC-Organização Mundial do Comércio, FMI-Fundo Monetário Internacional, só para citar alguns exemplos.
[6] Verunschk, Micheliny. “Caiu na rede... é artista! A era da criação partilhada chega às artes”.in:Continuum Itaum Cultural:criação e conexão. São Paulo: Itaú Cultural,11 de junho de 2008. pág.5.

28/05/2009

POLÍTICA CULTURAL - Quem tem medo desse bicho? - Terceira Parte/Final

Por Fausto Fuser

A Jóia da Coroa brasileira contemporânea chama-se PETROBRÁS, que vai ter de fazer uma faxinazinha rapidinho: uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) está em vias de ser instalada no Senado Federal, com quase uma dezena de levantamentos de suspeição... quase todos por indícios levantados pela Polícia Federal ou por tribunais de fiscalização de contas na receita pública – que é para onde flui (ou deveria) toda a massa de taxas e impostos que você, seus pais, irmãos, tios, avós, sobrinhos, amigos, inimigos, professores, dentistas, médicos, enfermeiros, choferes de ônibus, padeiros, confeiteiros, jornalistas, jornaleiros, lixeiros e carteiros e mais uma montanha de muitos milhões de pessoas trabalhadoras mandam entre 35 e 46% de tudo o que recebem (mas não usufruem) com o sacrifício do trabalho diário. Isto, os que têm a felicidade de ter onde trabalhar... (Claro, quem ganha muito bem sabe como se livrar dos leões e das hienas e nada pagam... Os idiotas somos nós, os médios e os pequenos...).
Como?!!! Interrogar a Jóia da Coroa???! A minha coroa?! - Um bafafá, um Deus-nos-acuda! Perdeu-se a compostura imperial, acabaram-se as medíocres performances “humorísticas” e as piadinhas grosseiras de sempre... chamou-se a oposição de um monte de nome feio – exatamente os mesmos de que foram chamados eles, enquanto eles eram a oposição...
Mais uma generosa rodada de pizzas tamanho gigante está prevista para breve.
E, nas televisões, no primeiro pronunciamento em “defesa” da Petrobrás, no rol das boas coisas que a empresa criada por Getúlio Vargas e defendida com bravura por Monteiro Lobato, Graciliano Ramos, Luiz Carlos Prestes e muitos milhões de patriotas tão diversos entre si, para qual atividade daquela empresa sobraram as mais lindas palavras, comoventes, quase líricas, qual foi, eihn?... Se alguém que não ouviu aquele tango-canção nas televisões em horário nobre, será capaz de adivinhar o que de bom a gigantesca companhia de petróleo realizou, em nosso amado país, além de tirar óleo e tudo aquilo que é a sua função óbvia? Pois fique agora sabendo: foi fomentar as artes e a cultura do Brasil!!! É uma Cia. Cultural!!! Viva ela! Não toquem nela!!!
Isso mesmo!!! A cultura e as artes brasileiras!!! Claro, como Getúlio não pensou nisso?! – Petróleo mais Cultura e Artes!! A soma perfeita, a simbiose natural dos melhores produtos nacionais!!! Viva o Brasil!!! Viva eu, viva tudo! Viva o Chico Barrigudo!! Hoje tem circo!!! Como sempre, senhor!!! Tem marmelada!!! Tem goiabada!!! Tem cachaçada?
Desculpe, mas... e o palhaço, quem é?
Os engenheiros e os administradores e a malta toda de aspones em seus cabides de emprego na Petrobrás, as centenas de executivos classe A, e classe B, e classe C, até Y e Z, todos eles, desde pequenininhos são notórios apaixonados pelas artes e pela cultura do nosso amado país – além do bom e grudento petróleo, naturalmente, que tomam em estado puro no café de toda manhã, amém.
Pois é.
E nada de Ministério da Cultura digno desse nome. (Em países como a Polônia, por exemplo, esse ministério chama-se claramente, com todas as letras de Ministério da Cultura e das Artes – e atua nesses terrenos, com eficácia e muita seriedade. E nunca ninguém ri, mesmo às escondidas, do ministro no cargo). Bom, mas por aqui, as artes ficam por conta do Bonifácio, como se sabe.
Para que ter que responder pelos cuidados, pelas incômodas seleções e pelos segredos dos julgamentos e as dores de cabeça resultantes dessas propostas de atividades de pessoas tão discordantes, tão críticas, tão independentes, tão diversas e tão reivindicantes como são esses malditos artistas? O ministério ficaria cheio de cabeludos mal vestidos pedintes pelos corredores, haveria pressões públicas (já chegam as reservadas!) e protestos e passeatas e assembléias e reclamações... uma chatice!
Então, um Belzebu soprou nas orelhas do imperador e ele passou a bola para a Petrobrás, que teria uma conta muito alta a “contribuir com a receita” graças aos lucros fantásticos a cada ano, e é nessa historinha de “Promoção Cultural” que entra, confortavelmente, a famigerada Lei Rouanet!
Mas não está só: tem a boa companhia dos bancos, cias.de seguros e toda uma nata de empresas milionárias, a dispor de uma grande quantia para “mecenar” as artes e a cultura brasileira... Bonzinhos...esse pessoal, esses bancos... a Petrobrás... bonzinhos...
Falou-se muito blá-blá-blá dessa tal Lei Rouanet, mas ninguém a chamou por seu verdadeiro nome, que é o de mordaça fatal dos produtores culturais e artísticos independentes, que estrangula os principiantes e mata pesquisas e originalidades, que amortece e atordoa seus solicitantes com tantas imposições burocráticas e formais, com suas despesas insuportáveis pelos serviços de intermediários, despachantes e de formalizações cartoriais que já os elimina a muitos no meio do caminho. Os felizardos que conseguem chegar até o julgamento seletivo, vão cair no primeiro confronto com os gigantes promovidos pela grande indústria das comunicações e pelos notórios já protegidos da grande imprensa.
Nada contra os grandes e reconhecidos artistas e criadores consagrados. Nada contra os meios de muita força na televisão e imprensa e suas preferências. Eles não precisam de Deus para nada, mas mesmo assim... que Deus os protejam, a todos...
Só que os recursos das empresas financiadoras (troca de imposto de renda por mecenato dirigido e muito bem comportado), geridos todos por uma empresa que visa lucros (ou não?), estão longe de ser o oxigênio de que necessitam as artes e a cultura de uma nação.
De uma nação!!! De um país inteiro, com suas diversidades de origem, formas e nuances regionais!!! Tudo no mesmo fundo, tendo com juízes pouco sabe Deus o que o Diabo muito tramou.
Como pode um Estado digno desse nome, abster-se de assumir a cultura e as artes de sua própria nação?!!! Que irresponsabilidade enorme é essa?!!!
Nestas últimas semanas, a Lei Rouanet surgiu em tantos e tão canalhas discursos, que me dispenso de comentá-los. Se não fosse por mais nada, por asco insuportável! Mas já o fiz, em síntese, em outros artigos deste Blog Motin. Nada mudou, só houve a confirmação das desculpas patifes e medíocres e a ausência total... da desejada política cultural!!! E mesmo de certo pudor...
Pelo amor de Deus, não dá mais para se aceitar a Lei Rouanet como se ela fosse a própria Política Cultural do país!!! Um ministro que ousa dizer isso, deveria ser aposentado... (para dizer o mínimo).
Onde estão os nossos grandes atores e atrizes para irem a Brasília, saírem nas fotos e noticiário colorido? Podem aproveitar e, sendo úteis, esclarecer as coisas ao patrão do tal mini-ministro.
A patifaria reinante na cultura e nas artes reina solta. Mas não só. Tragicamente, como
afirmava o alemão B. Brecht: - “É tudo uma coisa só.”
É dolorido reconhecer que as nossas coisas nas artes e cultura estão acompanhadas no mesmo nível de irresponsabilidade pelas coisas da educação, da saúde, dos índios, da natureza, dos valores jurídicos, dos direitos civis, trabalhistas, dos esportes, da segurança, dos transportes urbanos e interestaduais, da dignidade feminina e todo o seu entorno, da nossa efetiva independência diante de todas as religiões e crenças (isto é: somos ou não, um país “leigo”?), da efetiva independência dos três poderes... e, numa palavra: da efetiva igualdade de todos perante a lei...
Sei que os jovens gostam do discurso otimista. E têm eles toda a razão. Afinal, eles têm diante de si toda a vida, tudo a descobrir e a realizar. Por isso mesmo, pesei muito longamente estas linhas, antes de as escrever. Escrevo-as, juro, a contragosto. Mas não quero trair os eventuais leitores do Motin, não é do meu feitio... Não sou político.
Por outro lado, não posso achar muito engraçadinho o canadense “Cirque du Soleil” vir ao Brasil tendo o pesado das despesas pagas pelos nossos “patrocinadores-delegados culturais”, dispor de todo o espaço do mundo numa mídia milionária e cobrando preços muito acima da posse do trabalhador ou do cidadão comum. Várias visitas, à vontade!
Ou as visitas de inúteis monstrengos como “O Fantasma da Ópera” (- “Oh! Que lindo abajur!!!”) e muitos outros, subprodutos internacionais. Ou coisas como a deplorável vinda de artistas glamurosos às vésperas da aposentadoria em seus países; cantores e cantoras e bandas em repescagem oportunista; o insuportável Ballet de Cuba e o seu modelito, o também engessado e deplorável Bolshoi de Moscou , e todo um conjunto de “acontecimentos” pseudo-artísticos, ruidosos e com festejos pré-fabricados de louvação garantida, para deixar boquiabertas todas as bocas bobocas de incautos inertes.
Não têm também nada a ver com uma justificada e planejada Política Cultural, as festinhas “populares” que resolveram promover, quando se lhes dá na veneta (vai tudo no atacado, sem as dores-de-cabeça do varejo a exigir definições e critérios inteligentes). Então, algum funcionário disciplinado (não importa a sua formação profissional) é escolhido por Deus e é promovido a “agitador cultural” e estabelece, juntamente com assessores e conselheiros de política eleitoral dos chefes, o roteiro das cidades e locais mais interessantes eleitoralmente e inventa numa mesa de restaurante, a relação das bandas, cantores e cantoras e grupos e conjuntos de maior sucesso na grande mídia, no momento – e se for só isso, até que está bom, muito limpo, dentro do quadro nacional!
Tem de bom que oferece mais oportunidades de trabalho para quem já tem bastante trabalho. Tem de bom que o público adora se divertir – os romanos já sabiam disso e disso se valiam exatamente pelas mesmíssimas razões dos nossos brilhantes políticos. É a “Virada Cultural”, é a “Semana da Música”, é isto e mais aquilo! Qualquer coisa.
Mas, atenção: nenhuma pesquisa, nenhuma inovação, nenhuma ação contestatória, nenhuma oposição à forma estabelecida pelos padrões dos patrões, nada de buscas de raízes, nada de reconstituições e achados, nenhum grupo novato de valor. Revelação de talentos?!!! Revelação e estímulo aos novos?!!! Nem sonhar! Tudo só visando um resultado: agradar ao povão e juntar tudo à massa eleitoral do chefão do momento!
Se esses “acontecimentos” são Política Cultural, vamos trazer ao Brasil os restos mortais de Nero, o imperador romano, como nosso pioneiro cultural, nosso grande líder!
No mesmo pensamento e indo mais distante: podemos também buscar na Grécia antiga, o santo governante que inventou o “Ingresso Único” aos teatros para que os cidadãos livres de Atenas pudessem assistir aos festivais dramáticos. Pois foi com esse público nos seus teatros que se apresentaram Sófocles e todos os outros!
Como melhor poderão ensinar os professores de História do Teatro, cabia ao cidadão de Atenas, um ingresso permanente para assistir aos espetáculos. As mulheres, os escravos e os estrangeiros, não! Fora com esta gentinha indesejável! Mesmo porque, como todos sabem, mulheres, escravos e estrangeiros também não votavam nas assembléias!!! Deu para entender?!!! Está claro, agora? - Já naquela época!!!
Pois não é que um Belzebu muito do canalha soprou nas orelhas do imperador que aquilo sim que era imperador, porque dava um Bilhete Único permanente para todos os espetáculos de teatro da cidade?! Aquilo, sim, que era imperador esperto, disse o maldito Belzebu. E o imperador acreditou.
Pois acredite você também, eventual leitor, é verdade verdadeira: nosso imperador já encomendou aos seus aspones que façam as leis e os regulamentos da... BOLSA CULTURA!!!
Isso mesmo: a bolsa cultura brasileira!!! Cinqüenta reais para as famílias gastarem em... cultura, no país inteiro!!! Cinqüenta reais por mês! Que farra! O Chacrinha vai voltar!
É de pasmar, é verdadeiro! Isto sim que é circo, digo, Política Cultural!!! Belzebu revive assim, nossos profundos laços com a cultura greco-romana!!! Vivaaa!!!
O Brasil será o campeão mundial de Cultura... sem ter nada, coisa nenhuma, nadinha que possa ser chamado de... Política Cultural!!!
Os adidos culturais da Polônia, do Vietnam, do Afeganistão e da Coréia vão ter de explicar o fenômeno, em seus países natais...

11/05/2009

Dinâmica Percepção e Experimentos Continuada (PEC) 2009/1 - INSCRIÇÕES ABERTAS

Estão abertas as inscrições para a primeira dinâmica Percepção e Experimentos Continuada de 2009: CONSTRUÇÃO DO OLHAR ENCENA, conduzida pela Dramaturga e Diretora Teatral Orleyd Faya, em parceria com: Jaime Sebastian Lopez (voz),Orlando Faya (espaço) e Virginia Costábile (corpo).
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O foco desta dinâmica, agora explorado em diversas competências teatrais, permanecem ancorados nas sugestões que nos espreitam por detrás dos belos dizeres da filósofa Marilena Chauí: "A palavra visionário nos vem imediatamente quando pretendemos designar tanto aquele que conhece o futuro quanto aquele que sonha sonhos impossíveis, tanto aquele que vê mais e melhor do que nós quanto aquele que nada vê. (...) Essa crença reafirma nossa convicção de que é possível ver o invisível, que o invisível está povoado de invisíveis a ver e que, vidente, é aquele que enxerga no visível sinais invisíveis aos nossos olhos profanos."
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É indispensável que antes de realizar a solicitação de inscrição, o interessado se informe sobre o funcionamento das PECs (consulte clicando aqui).
As dinâmicas não tem custo para os participantes, só sendo necessário o envio de currículo e carta de intenção para motin07@gmail.com para participar da seleção. Só serão aceitas as inscrições enviadas até 30 de maio de 2009. Lembramos que todas as dinâmicas tem número limitado de vagas.
Os selecionados serão informados através de e.mail até 03 de junho de 2009.
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DINÂMICA PERCEPÇÃO E EXPERIMENTOS CONTINUADA 2009/1 : CONSTRUÇÃO DO OLHAR ENCENA
Amotinada: Orleyd Faya em parceria com: Jaime Sebastian Lopez (voz),Orlando Faya (espaço) e Virginia Costábile (corpo).
Data: 11 a 14 de junho de 2009
Horário: das 16 às 21 horas
Local: Espaço 2 de Artes - Sala Linneu Dias (Rua Clélia, 33 - Shopping Pompéia Nobre - Perdizes - São Paulo)
Público Alvo: Atores e Diretores Teatrais
Inscrições: até 30 de maio de 2009

07/05/2009

Dinâmica Percepção e Experimentos 2009_2: O OLHAR ENCENA

O foco desta dinâmica ancorou-se nas sugestões que nos espreitam por detrás dos belos dizeres da filósofa Marilena Chauí: "A palavra visionário nos vem imediatamente quando pretendemos designar tanto aquele que conhece o futuro quanto aquele que sonha sonhos impossíveis, tanto aquele que vê mais e melhor do que nós quanto aquele que nada vê. (...) Essa crença reafirma nossa convicção de que é possível ver o invisível, que o invisível está povoado de invisíveis a ver e que, vidente, é aquele que enxerga no visível sinais invisíveis aos nossos olhos profanos."
Orleyd Faya
Integrante do Núcleo MOTIN
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Ficha:Dinâmica Percepção e Experimentos 2009_2: O OLHAR ENCENA Data: 03 de maio de 2009 Local: Espaço 2 de Artes - Sala Linneu Dias - São Paulo Responsável: Orleyd Faya Apoio: Madeleine Alves,Orlando Faya e Virgínia Costábile Produção Geral: Magali Romano Participantes: Eliana Sotero, Fabrício Rinaldi, Felipe Augusto S. Dias, Julio Cesar Mello, Luciene Óca, Marcelo Ferraz, Marcus Sioffi, Mariana Castro, Seth Cláudio L. Nascimento,Solange Rasec, Uanderson Melo, Virginia Iglesias.




Captação de imagens: Madeleine Alves

02/05/2009

O Olhar Encena [10]


Pelas profundezas


Porque eu sempre mergulhei pela superfície de todas as coisas, espectador às vezes não atento de tudo que me rodeava, mas do qual pouco ou nada participava. Sem conseguir visualizar muito além do que me era permitido sentir, assim o era e ainda o é, sem sombra de dúvidas. Eu mesmo me sinto em relação ao corpo nas entrelinhas. Apenas sugestivo, como se me perguntasse cotidianamente qual a sensação de existir em toda a sua plenitude, sem reservas. Mas não o sei, nunca o vivi, apenas maquino mentalmente como seria experienciar tais sensações. E no meu pequeno plano ainda assim consigo me despencar e perder. Até porque meu pequeno mundo é assim amplo, nebuloso e inconfessável.

Pois eu confesso, mesmo sem saber aonde cairei com tais ousadias, que nunca bebi do cálice da vida, se é que esse termo imbecilizante persiste a análise mais atenta. Eu existo, sim, isso é mais que fato. É prova de mim mesmo. Eu sou. Algo ou alguém, continuo o sendo apesar dos pesares. Alguém que quer experimentar a sensação de o ser sem se imiscuir de ser também vários outros, mas experimentar os vários eus que habitam dentro de todos nós e que só se revelam em determinadas situações.

Que eu possa e consiga tirar esse gosto de estranheza da boca todas as vezes que olho para o outro e vejo algo muito além do que posso perceber. Nadam nas profundezas os outros e eu, apenas pequeno espectador atento, assisto a tudo até que as águas se tornem turvas e nada mais consiga visualizar. De quando em quando alguém que vêm à tona explica-me sucintamente o que se passa lá por debaixo daquelas águas lodosas, mas é como se fosse distante demais para meu corpo. Proibido. Intocável.


As palavras são ditas de forma clara e não consigo absorvê-las, apenas as imagino, estranhando que tenha me sido negado essa espécie de manjar na qual se mergulha sem grandes questionamentos e se retorna com pérolas nas mãos capazes de resistir mesmo a todas as intempéries do existir. Tais pérolas não são vendidas no mercado negro, procurei saber, infinitas vezes eu as quis e pagaria o necessário, mesmo o exorbitante, para ter algumas em meu poder. Mas elas não são achadas nesse território pequeno e raso. Só nas profundezas elas existem e de lá não podem sair a não ser nos pescoços e mãos de seus contentes proprietários.
Se algum dia eu as possuir, guardarei-as numa caixinha confeccionada por eu e as tirarei em ocasiões especiais para que vejam a luz do sol e para que eu tenha a satisfação de possui-las para meu bel-prazer. Contente, infantil, sorridente, medíocre, ou tantos forem meus predicados. Caminhando pelas ruas da cidade florida, eu e meu segredo revelado.



Edcarlos Coppola

















Orleyd Faya
Diretora do Núcleo MOTIN

Colaboração de Madeleine Alves