30/06/2009

Morre a coreógrafa alemã Pina Bausch

"Pina Bausch faleceu na manhã desta terça-feira no hospital, uma morte repentina e rápida, cinco dias depois de ter um câncer diagnosticado", anunciou a porta-voz do Teatro Wuppertal, Ursula Popp.

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Fonte: Uol Entreterimento


Photo: Atsushi Iijima

A Carência

A Carência

Não sei sobre pássaros
não conheço a história do fogo.

Mas creio que minha solidão deveria ter asas.

Alejandra Pizarnik

26/06/2009

TEMPESTADE

TEMPESTADE


“ Ando a chamar por ti, demente, alucinada,
Aonde estás, amor? Aonde... aonde... aonde? ...
O eco ao pé de mim segreda... desgraçada...
E só a voz do eco, irônica, responde!

Estendo os braços meus! Chamo por ti ainda!
O vento, aos meus ouvidos, soluça ao murmurar;
Parece a tua voz, a tua voz tão linda
Cantante como um rio banhado de luar!

Eu grito a minha dor, a minha dor intensa!
Esta saudade enorme, esta saudade imensa!
E só a voz do eco à minha voz responde...

Em gritos, a chorar, soluço o nome teu
E grito ao mar, à terra, ao puro azul do céu:
Aonde estás, amor? Aonde... aonde... aonde? ...”


"Aonde?..." - Florbela Espanca

SOLIDÃO

SOLIDÃO

- “Todas as prendas que me deste, um dia
guardei-as, meu encanto, quase a medo,
E quando a noite espreita o pôr-do-sol,
Eu vou falar com elas em segredo...

E falo-lhes d’amores e de ilusões
Choro e rio com elas, mansamente...
Pouco a pouco o perfume de outrora
Flutua em volta delas, docemente...

Pelo copinho de cristal e prata
Bebo uma saudade estranha e vaga
Uma saudade imensa e infinita
Que, triste, me deslumbra e m’embriaga.

O espelho de prata cinzelada,
A doce oferta que eu amava tanto,
Que refletia outrora tantos risos,
E agora reflete apenas pranto,

E o colar de pedras preciosas,
De lágrimas e estrelas constelado,
Resumem em seus brilhos o que tenho,
De vago e de feliz no meu passado...

Mas de todas as prendas, a mais rara,
Aquela que mais fala à fantasia,
São as folhas daquela rosa branca,
Que a meus pés desfolhaste, aquele dia...”


"Folhas de Rosa" - Florbela Espanca

SOLIDÃO E TEMPESTADE

SOLIDÃO E TEMPESTADE

“ Ó mar, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzamos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.

Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.”


"Mar Português" - Fernando Pessoa

TEMPESTADE E SOLIDÃO

TEMPESTADE E SOLIDÃO

“No mar tanta tormenta e tanto dano
Tantas vezes a morte apercebida;
Na terra, tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade aborrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o céu sereno
contra um bicho da terra tão pequeno?”


- Luís de Camões -
in “OS LUSÍADAS” - Canto I

24/06/2009

Dinâmica Percepção e Experimentos Continuada (PEC) 2009/1 - INSCRIÇÕES ABERTA‏S: A CONSTRUÇÃO DO OLHAR ENCENA

Estão abertas as inscrições para a primeira dinâmica Percepção e Experimentos Continuada de 2009: A CONSTRUÇÃO DO OLHAR ENCENA, conduzida pela Dramaturga e Diretora Teatral Orleyd Faya, em parceria com: Gisele Jorgetti, Jaime Sebastian Lopez, Orlando Faya e Virginia Costábile.
O foco desta dinâmica, agora explorado em diversas competências teatrais, permanece ancorado nas sugestões que nos espreitam por detrás dos belos dizeres da filósofa Marilena Chauí: "A palavra visionário nos vem imediatamente quando pretendemos designar tanto aquele que conhece o futuro quanto aquele que sonha sonhos impossíveis, tanto aquele que vê mais e melhor do que nós quanto aquele que nada vê. (...) Essa crença reafirma nossa convicção de que é possível ver o invisível, que o invisível está povoado de invisíveis a ver e que, vidente, é aquele que enxerga no visível sinais invisíveis aos nossos olhos profanos."
As dinâmicas não tem custo para os selecionados, só sendo necessário o envio de currículo e carta de intenção para motin07@gmail.com para participar da seleção.
Só serão aceitas as inscrições enviadas até 30 de junho de 2009. Lembramos que todas as dinâmicas tem número limitado de vagas e que os participantes desta dinâmica deverão estar presentes nos 4 (quatro) encontros previstos.
Os selecionados serão informados através de e.mail até 02 de julho de 2009.

DINÂMICA PERCEPÇÃO E EXPERIMENTOS CONTINUADA 2009/1 : A CONSTRUÇÃO DO OLHAR ENCENA
Amotinada: Orleyd Faya em parceria com: Gisele Jorgetti, Jaime Sebastian Lopez, Orlando Faya e Virginia Costábile.
Datas: 05, 12, 19 e 26 de julho de 2009 (domingos).
Horário: das 16 às 21 horas.
Local: Espaço 2 de Artes - Sala Linneu Dias (Rua Clélia, 33 - Shopping Pompéia Nobre - Perdizes - São Paulo)
Público Alvo: Atores e Diretores Teatrais
Inscrições: até 30 de junho de 2009

14/06/2009

As Intrincadas Relações do Poder e da Arte através dos Tempos

A Censura enquanto Instrumento Privilegiado de Influência do
Poder sobre a Arte
.

Por Orleyd Faya
Diretora do Núcleo MOTIN - Movimento de Teatro Independente

Percorrendo os documentos da censura referentes à produção cultural brasileira, Maria Luiza Tucci Carneiro afirma: “(...) o controle da cultura foi sempre uma questão de Estado. A censura, assim como a violência física e simbólica, fizeram parte dos projetos políticos articulados em diferentes momentos da nossa história. Fatos como esse demonstram que o Brasil nunca soube lidar com a democracia.”
As autoridades oficiais de nosso país, partidárias que sempre foram do controle diuturno das idéias, com objetivo de sanear e purificar a sociedade, “(...) definiam, até pouco tempo atrás e segundo sua lógica, os limites entre o lícito e o ilícito, o permitido e o proibido, o bem e o mal.” (Maria Luiza Tucci)
Definidos tais limites, qualquer indivíduo que ousasse desafiá-los era desde logo considerado suspeito de estar tramando contra a ordem imposta, através da tentativa de colocar em circulação suas idéias prontamente rotuladas como perigosas.
E o mais lamentável é que o Estado repressor, ao avançar sobre os direitos do cidadão, obstinado na imposição de barreiras rígidas e impeditivas ao trânsito do ideário considerado nocivo à perpetuação do status quo, sempre elaborou suas regras em nome da Justiça, da Ordem e da Segurança Nacional.
A tentativa – não poucas vezes alcançada – de obstruir a livre manifestação do pensamento, não é uma atividade exclusivamente ligada ao século XX, nem tampouco ao Brasil. A história da censura é uma mácula secular e universal.
No Brasil Colônia, a censura perdurou ao longo de três séculos, superando em muito os rigores do processo censório na América Espanhola. A Inquisição Portuguesa tinha um grande temor de que as idéias heréticas penetrassem no Novo Mundo. Ainda assim, nenhuma medida conseguiu controlar as resistências e, quanto maior se tornava a repressão, mais volumoso se tornava o número de dissidentes.
Desde o século XVI até o advento da reforma pombalina, em 1768, a censura luso-brasileira esteve profundamente associada à Reforma Católica. Este estado de coisas permaneceu inalterado até o final do século XVIII, com o intuito principal de promover a aproximação entre a Igreja e seus fiéis.
Quando, em 1808, a corte do príncipe regente D. João se transferiu de Portugal para o Rio de Janeiro, fugindo das tropas invasoras de Napoleão Bonaparte, a censura era exercida por três instâncias: a Inquisição, o Ordinário e a Mesa do Desembargo do Paço.
A censura no Brasil foi oficialmente suspensa em 02 de Março de 1821, por influência da Revolução do Porto, em Portugal. No entanto, embora proclamada a liberdade de imprensa a partir desta data, o príncipe regente D. Pedro emitiu um aviso à Colônia, em 28 de agosto do mesmo ano, conservando as penas em casos de abusos de liberdade.
Em Janeiro de 1822, alarmado com a multiplicação de tipografias, folhetos e periódicos no Brasil, em sua maioria apócrifos, D. Pedro decidiu proibir o anonimato das obras, a fim de poder determinar a responsabilidade pelo seu conteúdo.
Em Junho do mesmo ano, por ocasião da convocação da Assembléia Geral Constituinte e Legislativa para o Reino do Brasil, o Regente, preocupado com a perturbação da ordem, emitiu um decreto coibindo os abusos da imprensa com relação ao Estado.
Tal decreto, cujo conteúdo integrou a Constituição de 1824, foi regulado em 20 de setembro de 1830, tendo sido incorporado, três meses depois, ao Código Criminal, onde permaneceu até 1890.
A proclamação da República, em 15 de Novembro de 1889, motivou a emissão, em 23 de Dezembro, do primeiro decreto de censura do país a atingir diretamente a imprensa.
Apesar da publicação de um novo decreto, em 22 de Novembro de 1889, restaurando a liberdade de imprensa no Brasil, tal decreto sequer chegou a produzir efeitos. Tornou-se letra morta.
A polícia política foi criada no país em 1924, durante a vigência da República Velha, e foi responsável, por mais de seis décadas, enquanto braço repressor do Estado, pelo controle das idéias e dos cidadãos considerados perigosos à ordem constituída.
No entanto, é importante esclarecer:

“De outro teor é a censura política, conduzida a partir do Estado em momentos em que há um autoritarismo mais explícito, quando se objetiva conter manifestações da sociedade (...). No Brasil, momentos de exercício censório mais constantes e institucionalizado ocorreram no primeiro Governo Vargas (1930 – 1945), em especial durante a vigência do Estado Novo (1937 – 1945), e no regime militar (1964 – 1985), sobretudo no seu período de maior repressão.” (Maria Luiza Tucci Carneiro)

O governo estadonovista de Getúlio Vargas não foi exceção. Buscou a homogeneidade em todos os níveis, de forma a tornar mais fácil a dominação e o controle da sociedade. Assim se deu a despeito da esperança acalentada nos meios revolucionários, que acreditavam que, após a consolidação da Revolução de 1930 – dita liberal –, a censura seria extinta, sustentados pela crença de que a liberdade de expressão integrava o projeto de governo de Getúlio. Decepcionaram-se.
Instaurada a Ditadura Militar de 1964, através de Atos Institucionais, da Constituição de 1967, e da promulgação do AI–5, as atividades da Polícia Política sofreram uma reorientação. Reinstaurando o Estado de Segurança Nacional, estrutura-se uma verdadeira rede de informações, composta por órgãos e funcionários governamentais, auxiliados por informantes espontâneos. Toda a ação da censura era baseada no programa básico da LSN – Lei de Segurança Nacional, que dividia ideologicamente o mundo em Ocidente Capitalista e Oriente Comunista. Os candidatos a censores faziam cursos na Academia Nacional de Policia.
Embora tenha recrudescido a partir de 1968, a censura não deixou de atuar com veemência no país, logo após a instalação de Ditadura Militar, em 1964.
Assim, a atuação da esquerda na área cultural, mesmo neste período inicial do Governo Militar, não foi conseguida sem lutas e perseguições, excetuado o ano de 1964, em que os militares estavam mais preocupados em reorganizar o país enquanto a classe artística, pega de surpresa pelo Golpe, não teve reação imediata.
No entanto, a partir de 1965, a censura – especialmente a relativa ao teatro – começou a tornar-se cada vez mais violenta.
Em um primeiro momento, a censura era realizada por oficiais do Exército, no período próximo à edição do AI-5 (entre Outubro de 1968 e Maio de 1969). A partir de então, o controle censório passou a ser exercido pelo Ministério da Justiça, através da Polícia Federal, em Brasília e nas superintendências regionais.
Os arquivos da censura desse período encontram-se atualmente reunidos na sede do Arquivo Nacional em Brasília e o acesso a eles tornou evidentes os desmandos e a falta de critérios que comandavam a prática censória daqueles anos.
Tal tese é comprovada pelas palavras de Flávio Rangel, diretor teatral, em declaração feita no ano de 1969: “Éramos forçados a escolher peças metafóricas, pois a pressão da censura era insuportável. Não se podia pensar numa produção custosa, pois corríamos todos os riscos de ter a peça censurada no próprio ensaio geral.”
No entanto, esta não é uma posição isolada de Flávio Rangel. Ao tratar da ação da censura sobre o Teatro Brasileiro, após a instituição do Ato Institucional no. 5, Carlos Guilherme Mota é ainda mais enfático:

“(...) após o AI-5, o teatro brasileiro mais significativo foi banido dos palcos pela censura total, intransigente, castradora. Os autores ficaram impedidos de abordar os grandes temas do Brasil em perspectiva crítica, especialmente os políticos e os que discutissem dependência externa e frustração interna. Poucas foram as brechas por onde penetrou algum ar: Leilah Assumpção, com ‘Fala Baixo Senão Eu Grito’ foi uma delas – produzindo algo estética e politicamente reconfortante. Plínio Marcos, além de ter proibidas suas novas peças, viu cassados os alvarás das antigas (...). Debatendo-se, José Celso Martinez Corrêa inaugura uma nova encenação de cunho escapista (‘Gracias, Señor’), escrita pela sua própria equipe: para não se calar enquanto artista, volta-se à pesquisa puramente formal, sempre na linha da agressão, de vez que o conteúdo se lhe tornara inacessível. Dentro desses moldes, calados nossos encenadores, reinaugura-se a importação de formas novas (Arrabal, via Vitor Garcia, Genet) – note-se que a importação, neste caso, não se dá por carência da produção interna, mas por repressão. Não se trata, pois, de genérica proposta universalizante.
Autores como G. Guarnieri ainda escrevem as únicas formas possíveis de fazer peças passarem pelo crivo da censura – as formas do simbolismo.”

A partir do início do Governo Ernesto Geisel, com a proclamada abertura lenta, gradual e segura, há expectativa de que ocorra o fim da censura – ao menos no tocante à liberdade de imprensa -, mas isto não acontece de imediato. Apenas em junho de 1978 seria proclamado o término da censura prévia à imprensa.
Só a partir da segunda metade do Governo Figueiredo, quando a abertura já se tornou um fato irreversível, é que a censura acusa sinais de um evidente enfraquecimento. Não se pode esquecer, também, de mencionar o fato de ter o General Ernesto Geisel, antes de transmitir o cargo ao seu sucessor, determinado o fim do AI–5, um fator que contribuiu enormemente para a discussão do fim da censura no Brasil.
Em 1983, tomam posse os primeiros Governadores eleitos por voto direto, desde o início do Governo Militar. Em função disso, especialmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, a estrutura administrativa estadual sofre modificações, sendo eliminados alguns símbolos que haviam servido de base de sustentação para os governos autoritários, como a Polícia Política e o DOPS, além de todo o aparato policial repressivo que servira à manutenção do Poder durante anos.
Com o falecimento de Tancredo Neves, – primeiro Presidente civil eleito, embora ainda indiretamente, após os 21 anos de Ditadura Militar no país -, José Sarney, o Vice-Presidente, tomou posse em 1985, dando início a uma nova etapa da história do Brasil.
O então Ministro da Justiça, Fernando Lyra, anuncia finalmente que a censura era um capítulo do passado entre nós.
Para finalizar este tópico, importa ainda dizer que a perseguição implacável promovida aos homens de idéias, no Brasil, durante o Governo Militar, e que foi levada a cabo pelo violento aparato policial organizado pela Ditadura, não terminou sua trajetória sem deixar marcas profundas na sociedade brasileira.
A despeito de tudo, a sociedade brasileira – ao longo de todo o período em que esteve submetida aos rigores da censura – buscou estratégias para burlar as proibições impostas, numa luta contínua e corajosa travada pelos dominados contra seus dominadores.

08/06/2009

T E A T R O - A ARTE DA VERDADE


As Mentiras do Ator, do Político e “do Mundo” – Proposta de exercício cênico.

por Fausto Fuser

Primeira proposta:
Síntese: Num departamento administrativo público, uma verba prometida oficialmente teve outro destino. Ninguém assume. Os jovens interessados buscam os responsáveis pelo desvio da verba que havia sido obtida com muita insistência para o teatro e o centro de cultura da cidade. Há o infalível empurra-empurra dos administradores:
- “ Absurdo!!! Quem foi que deu essa ordem?!”
“ – Não fui eu! Eu nem sabia!!! Foi aquele ali!!!” Ou... “ - Quem prometeu? Prova!”.

Segunda proposta:
(Síntese dos acontecimentos que antecedem a cena:: Num recanto qualquer de um castelo medieval, alguns soldados rasos, assustadíssimos, acompanham o nobre amigo do príncipe herdeiro até ele. Trata-se de Hamlet, que ouve o relato do seu melhor amigo, apoiado pelos soldados: Já por duas vigílias noturnas nas torres do castelo, noite avançada, surgiu um fantasma! Era o fantasma do seu pai, o rei morto recentemente! Sob o elmo, podia-se ver na face do fantasma, a dor e o desespero... Apavorados, eles não acreditaram em si mesmos, por isso chamaram Horácio, o amigo de Hamlet, levado como testemunha na segunda noite. Horácio, ao surgir o fantasma, tomou coragem e convocou sua palavra, mas o galo cantou e ele se foi, com a dor estampada na face. Mas nada falou...)

Cena: Depois de ouvir os relatos, o príncipe Hamlet, inicialmente incrédulo, pergunta:
- “Verdade?”
- “Tanta verdade como esta é minha mão!”, é a resposta de Horácio.
Hamlet finalmente acredita e decide verificar pessoalmente.

(Da tragédia “Hamlet” - diálogo e cenas apenas aproximados e muito resumidos, favor aceitar unicamente como singela proposta de exercício cênico, com alunos de teatro em busca da verdade cênica).

Terceira proposta:
(Síntese dos acontecimentos que antecedem a cena: Sala de aula prática de teatro. Dois alunos (depois, ainda outro aluno-ator) fazem a parte final da tragédia “Romeu e Julieta”. Romeu encontra Julieta “morta”. Mas a platéia sabe (foi informada pelo autor) que é mentira, que é só um artifício do monge casamenteiro (Frei Lourenço – o terceiro aluno); na verdade, ela está só entorpecida. Mas Romeu não sabe dessa verdade (que é a proposta da morte aparente). Então, perdido pelo sofrimento, Romeu se mata. Ao despertar, Julieta vê seu bem amado morto ao seu lado. Ela não suporta a perda de seu amor e se mata. Entra Frei Lourenço e descobre o fracasso do seu plano. Na cripta, os dois jovens apaixonados estão “realmente” mortos.

Cena: Julieta desperta, vê o seu amado morto ao seu lado. Não suporta a perda (real) do seu amor e se mata. Entra Frei Lourenço que tramou toda a mentira da falsa morte. Dá de cara com a morte verdadeira dos jovens aos seus pés.
MAS... neste exato momento, entra um aluno retardatário, bate a porta, deixa cair cinco livros, esbarra nos colegas – interrompe o exercício dos colegas no palquinho... Olha para os lados. O professor tinha obtido o compromisso solene de TODA a classe de ser rigorosamente PONTUAL, exatamente para evitar coisas como esta!!!
O aluno retardatário, recolhendo os livros espalhados pelo chão, murmura:

- “Desculpe o atraso... é... sabe?... puxa... o... é, o trânsito, sabe? Um horror!... Foi tão difícil chegar aqui, hoje... ”

Propostas aos alunos, sob a mediação do Professor:
Avaliar em suas possíveis variantes, a qualidade, os níveis, das mentiras e das verdades.
Em que os alunos acreditaram? E em quem? Na resposta do administrador político, no relato da personagem Horácio, na justificativa do aluno retardatário? Ou outras, propostas?

Primeira afirmativa: Eu não sabia! Eu não fiz nada disso!
Segunda afirmativa: Eu vi o fantasma do seu pai! Era mesmo o falecido rei!
Terceira afirmativa: O trânsito horroroso me impediu de chegar no horário combinado!

Quarta possibilidade: Considerações sobre as duplicidades das mentiras e verdades na riquíssima cena do final de “Romeu e Julieta”. Incluir o aluno desastrado... e as conseqüências do seu atraso na classe e na qualidade do ensino naquele encontro.

As Verdades, afinal, quantas são? Elas têm níveis? As Mentiras têm tamanhos e níveis?
Observar, nos exercícios, quem mentiu para quem.
Quem disse a verdade dentro de seu sistema de existência – uma determinada peça teatral; um departamento governamental de uma cidade brasileira; uma reivindicação de verba por jovens interessados em desenvolver projetos artísticos; um monge que é contra as dinastias despóticas e que querem impedir um amor verdadeiro; a invenção de uma morte simulada, pelas razões anteriores; um aluno que se atrasa por descuido e só percebe o tamanho do desastre quando vê que interrompeu uma cena de “verdade teatral intensa” dos colegas no palquinho; quem diz que viu o fantasma do rei e assim infinitamente...
Considerações Finais: O espectador, não raro conhece de antemão a peça “Hamlet”, sabe que Hamlet e Ofélia vão morrer. Mesmo assim, ele fica sentado em sua poltrona até a cortina se fechar. Então, ele também aplaude e, discretamente, esconde uma lágrima. Dificilmente ele vai comentar com um amigo, no dia seguinte: -“Imagine, ontem eu fui assistir a uma peça que tinha um fantasma!!!” É mais provável que ele diga algo como: -“Ontem eu fui assistir a “Hamlet”, aquele príncipe que vinga o assassinato do seu pai, que pelas suas dúvidas e seu rancor perde sua futura noiva e morre, ao final, envenenado por um engano. Teria sido um grande rei!”
O aluno que assiste, participando, ao desempenho dos colegas no palquinho da escola de teatro, se tudo correr bem em cena, estará comovido quando Frei Lourenço entra na cripta e se depara com os dois (Romeu e Julieta) mortos.
A entrada do tal colega desastrado, retardatário, só poderá despertar um raciocínio crítico e de frustração (relativo ao “corte” da emoção verdadeira). Mesmo que todos estejam sabendo que os três colegas no palco estejam atuando num texto teatral – aquele sentimento é o da verdade cênica, e as desculpas do colega retardatário são uma mentira conveniente... “do mundo”. Há, pois, no mínimo, dois níveis de verdade e de mentira.
Mas o teatro não é a arte da mentira.
Quando um ator representa “de mentira”, sem verdade, recebe o nada agradável rótulo de canastrão. O público quer acreditar que Frei Lourenço esteja sofrendo de verdade, pela morte do casal de amantes, pelo desastre que sua imprudência causou. Se ele não sofrer de verdade com essas coisas, nada no palco faz sentido... tudo vira mentira. MAS O PÚBLICO VAI AO TEATRO PARA ASSISTIR ÀS VERDADES DAS PERSONAGENS, não às mentiras do maus atores!...
O espectador, claro, sabe que vai assistir só a mentiras: Tônia Carreiro (Desdêmona) nunca morreu nas mãos de Paulo Autran (Othelo); Sérgio Cardoso (Hamlet) nunca morreu de espada envenenada alguma; Sônia Oiticica (Julieta) nunca se matou por Romeu algum na vida... No entanto, mesmo sabendo do desfecho, o espectador se emociona, se o sentimento de verdade dos atores for sólido – isto é, se for tudo uma mentira MUITO BEM VERDADEIRA!
Deu para entender? É tudo um delicioso enigma!!! Uma bela contradição.
O ator não tem como mentir, sem trair o teatro.
Só não sei como o político faz, com sua verdade, na hora de falar com um grupo de jovens aos quais acabou de trair, sobre a verba que desviou por razões inconfessáveis. Bem, não sei responder... não sou político...
Mas como professor, vou ter uma conversinha particular muito sincera com aquele retardatário inescrupuloso... energúmeno... pecaminoso... cara-de-pau!!!

02/06/2009

As Intrincadas Relações do Poder e da Arte através dos Tempos

Por Orleyd Faya
Diretora do MOTIN - Movimento de Teatro Independente

O Acirramento das Posturas, nos Governos de Exceção: Exemplos das
Posturas de Resistência, durante a Ditadura Militar.
A instauração do Estado Novo, na década de 30, inaugurou um período lúgubre na História do país, só igualado à agonia imposta à nação a partir do Golpe Militar de 1964, anos em que as posturas de contestação ao Poder assumidas pela classe teatral adquiriam dimensões heróicas, já que estamos tratando - reconhecidamente - de um dos mais tenebrosos períodos de violência e repressão política da História do Brasil.
Vamos aos exemplos.
Em 1968, Augusto Boal encenou, junto ao elenco do Teatro de Arena, a Primeira Feira Paulista de Opinião, reunindo textos de seis autores: Lauro César Muniz, Bráulio Pedroso, Gianfrancesco Guarnieri, Jorge Andrade, Augusto Boal e Plínio Marcos. A estréia se deu sobre o palco do Teatro Ruth Escobar, em São Paulo.
“A encenação não deixou de ser tumultuada, desde a estréia. Proibida pela Censura, a classe teatral forçou sua primeira apresentação. Cacilda Becker, presidente da Comissão Estadual de Teatro, lê, em cena, rodeada por atores, músicos, diretores, e alunos da EAD, o seguinte comunicado:"A representação na íntegra da ‘Primeira Feira Paulista de Opinião’ é um ato de rebeldia e desobediência civil. Trata-se de um protesto definitivo dos homens de teatro contra a Censura de Brasília, que fez 71 cortes nas seis peças. Não aceitamos mais a censura centralizada, que tolhe nossas ações e impede nosso trabalho. Conclamamos o povo a defender a liberdade de expressão artística e queremos que sejam de imediato postas em prática as novas determinações do grupo de trabalho nomeado pelo Ministro Gama e Silva para rever a legislação da censura. Não aceitamos mais o adiamento governamental, arcaremos com a responsabilidade desse ato, que é legítimo e honroso. O espetáculo vai começar." (Sábato Magaldi)
A emblemática atitude, no entanto, não permaneceu sem resposta por parte do Poder Militar. Tanto assim que, no dia 12 de agosto do mesmo ano, o jornal Folha de S. Paulo informava:
“Ampolas de gás lacrimogênio foram lançadas ontem, às 20 horas, nas escadarias e nos sanitários da Sala Gil Vicente, do Teatro Ruth Escobar, onde está sendo apresentada a ‘Primeira Feira Paulista de Opinião’. O gás espalhou-se pelo recinto inteiro e a segunda sessão foi suspensa, enquanto bombeiros abriam portas e quebravam alguns vidros das vidraças para facilitar a circulação do ar.
(...)
Minutos depois do atentado, a administração do teatro recebeu um telefonema anônimo avisando que, ainda na noite de ontem, o Teatro Galpão seria invadido. Os elementos da Comissão de Segurança, formada por atores e estudantes, reforçaram seu esquema defensivo, mas nada ocorreu e o espetáculo foi realizado sem incidentes.” (Jornal Folha de São Paulo)
O segundo episódio que apresentamos, com o intuito de ilustrar a militância cultural de resistência, no período da Ditadura Militar, aconteceu também no ano de 1968, e configurou-se como um gesto firme e coletivo, reunindo na mesma atitude corajosa alguns dos maiores expoentes do panorama teatral do Rio de Janeiro e de São Paulo da época.
Havia então um estado de tensão extremamente forte entre a classe artística e a Censura Federal.
“Em 14 de junho de 1968, por exemplo, catorze artistas de São Paulo e quatro do Rio de Janeiro convocam a imprensa para anunciar que devolverão os prêmios ‘Saci’, concedidos pelo jornal ‘O Estado de S. Paulo’, em protesto a um editorial sobre a ‘pendência entre a classe teatral e a censura’, considerada pelos artistas ‘totalmente favorável à censura ditatorial’.
No cerne da ‘pendência’ estão os cortes feitos no espetáculo ‘Primeira Feira Paulista de Opinião’, reunindo textos de vários autores. Mas toda a classe teatral assume o protesto. Cacilda Becker, Walmor Chagas, Fernanda Montenegro, Maria Della Costa, Sérgio Mamberti, Odete Lara, Jorge Andrade, Lélia Abramo, Etty Fraser, Ademar Guerra, Fauzi Arap, Augusto Boal, Flávio Império, Flávio Rangel, Gianfrancesco Guarnieri, José Celso Martinez Corrêa, Liana Duval, Paulo Autran e Tônia Carrero - a nata do teatro brasileiro - são os que devolveram os prêmios." (Sábato Magaldi)
Para finalizar nosso elenco de acontecimentos, relataremos um fato que aconteceu, ainda desta vez, nas dependências do Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, durante a temporada da antológica montagem de O Balcão, de Jean Genet, sob direção do argentino Victor Garcia.
Na noite do dia 05 de maio de 1970, a atriz Nilda Maria, que vinha desempenhando, na montagem, o papel de Chantal, a revolucionária, não compareceu para fazer o espetáculo.
Avisada a respeito da ausência de Nilda Maria, a produtora Ruth Escobar determinou que se desse início ao espetáculo, com lotação esgotada, enquanto seriam tomadas providências no sentido de confirmar alguns boatos que chegavam ao teatro, nos amargos tempos das prisões para averiguações políticas .
De fato, no início do 2º Ato, quando a presença da atriz se fazia necessária em cena, e não mais poderia ser postergada, a voz emocionada de Ruth Escobar assumia o microfone do teatro e anunciava (...) ‘que a atriz Nilda Maria, que fazia o papel de Chantal, a revolucionária, fora presa e estava incomunicável, e que sua cena seria suspensa do espetáculo até a sua libertação’.” (Rofran Fernandes)

O Relacionamento entre Estado e Teatro nas Décadas de 1960, 1970 e na Primeira Metade da Década de 80: A Política Cultural da Ditadura.
A produção cultural brasileira iniciou a década de 60 com a certeza de que poderia mudar o mundo. Naqueles anos, a proposição do consumo de massa, no Brasil, era uma novidade. A grande audiência da TV era um fenômeno recente: “(...) se há algum traço característico na produção cultural do período pré-64, esse traço é a busca do povo, através de uma arte participante ou arte política. Seja através dos núcleos cepecistas ou dos artistas de vanguarda, a tônica principal dos artistas é a ‘fé no povo’.” (Marco Antônio Guerra)
Assim, a cultura brasileira, nos primeiros anos da década, assumiu um caráter popular, nacional e democrático.
Durante os anos do Governo João Goulart, a principal preocupação da intelectualidade de esquerda era a conscientização das massas, com o objetivo de se chegar à Revolução Socialista. O resultado disso é uma ação cultural com intenção didática e conscientizadora, representada emblematicamente pelos projetos dos CPC – Centros de Cultura Popular da UNE – União Nacional dos Estudantes, e do Sistema de Alfabetização Paulo Freire.
Até 1964, a ação dos grupos que se propunham a realizar tarefas político-culturais desenvolveu-se num clima de relativa liberdade. As elites intelectuais estavam identificadas com posições favoráveis às reformas estruturais, discutindo questões nacionais e acompanhando a mobilização das classes urbanas.
No entanto, transcorridos apenas os primeiros meses do ano, com o advento do Golpe Militar, essa situação passou por profundas modificações.
Não nos parece correto afirmar que o controle do setor cultural não foi uma preocupação do Governo Militar. Prova disso é a instituição, em 1965, pelo então Presidente Castelo Branco, de uma Comissão que, trabalhando junto ao MEC – Ministério da Educação e Cultura, propôs a criação de um Conselho Federal de Cultura, que foi inaugurado em 1966 pelo próprio Presidente da República.
Para compor este Conselho, o Estado se voltou para os únicos intelectuais disponíveis que se colocaram desde o início a favor do Golpe Militar. Estes produtores de conhecimento, que podem ser caracterizados como representantes do setor tradicionalista da cultura brasileira, foram recrutados nos Institutos Histórico-Geográficos e nas Academias de Letras, tendo como tarefa ditar as diretrizes de um plano cultural para o país. Compõem este Conselho: Josué Montello, Adonias Filho, Augusto Meyer, Murilo Miranda, Rodrigo Mello Franco de Andrade e Américo Jacobina Lacombe.
O fato é que toda a Política Cultural desenvolvida pelo Governo Militar, pós-1964, tomou como base ideológica a Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento, que justificava a formação do Estado de Segurança Nacional, “(...) senhor absoluto com poder de vida ou morte sobre a população civil.” (Sônia Regina Guerra)
Esta Doutrina foi formulada pela ESG – Escola Superior de Guerra, em colaboração com o IPES e o IBAD, de acordo com estudos desenvolvidos no National War College americano.
Segundo o Manual Básico da ESG – Escola Superior de Guerra,
“(...) como a propaganda ou ‘guerra psicológica’ comunista visa à conquista das mentes e não a um conflito armado imediato, toda a população do ‘país-alvo’ é passível de ser contaminada pelo micróbio das idéias comunistas. Isso, na visão da DSN, justifica o controle de toda a sociedade como um inimigo interno em potencial e, assim, qualquer reivindicação ou crítica ao Estado é considerada como resultado da infiltração do comunismo internacional.
Todo tipo de crime contra o cidadão passa a ser justificado em nome da Segurança Nacional e dos objetivos ‘democráticos’ da civilização cristã. (...) Assim, a responsabilidade de erradicar qualquer ameaça de subversão dota os militares de um poder irrestrito e ilimitado frente à população (...) portanto deve criar um aparato repressivo capaz de impor sua vontade ainda que seja pela força, e montar uma rede de informações a fim de detectar os ‘inimigos’ já convencidos ou em vias de serem convencidos pelo ideário comunista. Para operar o vasto aparato e imbuído de sua missão de detectar o ‘inimigo interno’, o Governo vai necessitar de segurança interna, e deve promover a centralização do poder de Estado no Executivo Federal. Desse modo estará formado o Estado de Segurança Nacional, senhor absoluto com poder de vida ou morte sobre a população civil.”
Nos primeiros meses após o Golpe, um clima de absoluta perplexidade e temor se apoderou da classe artística, embora o Regime Militar ainda não tivesse sistematizado a ação repressiva e policialesca da Censura Oficial, que se tornou mais incômoda a partir de 1965.
Conjuntos teatrais como o Arena e o Oficina, em São Paulo, e o Grupo Opinião, no Rio de Janeiro, tornaram-se novos espaços de resistência. Foi um momento de frenesi cultural.
No entanto, é importante que se esclareça: embora a ação direta sobre a produção cultural tenha sido inicialmente pequena, o mesmo não se deu no que tange ao seu potencial de atuação efetiva sobre a nova realidade, já que o Governo recém-instaurado interferiu diretamente sobre a relação mantida entre a produção artística e o seu público, redimensionando, desta maneira, sua função e seu lugar dentro do novo panorama político-social.
Desta maneira, “(...) a perda de contato com o povo e a necessidade de impedir a desagregação – ameaça colocada pelo Regime – canalizaram a ação cultural para um circuito de espetáculo. Esse era talvez o único reduto onde algum público poderia ser aglutinado e onde tornava-se possível um simulacro de militância, com ruidosas e exaltadas manifestações, de resto um tanto limitadas.” (Heloísa Buarque de Holanda)

Assim, os grupos que buscavam uma ação cultural de resistência à ditadura vigente vão encontrar na classe média estudantil sua principal platéia.
Em decorrência disso, a produção artística do período acabará assumindo um caráter ritualístico, de arte feita para iniciados.
A Censura, que acabara oficialmente com a promulgação da Constituição de 1888, no Brasil, recrudesce quando o General Costa e Silva, em 1968, assina o AI-5. A partir de então, o panorama torna-se mais crítico para a Cultura e coloca a produção artística no rol das atividades de alto risco.
A ação da Censura atingiu severamente a Literatura, o Cinema, o Teatro e a Imprensa, mas foi especialmente dura com a Música. Isto porque, desde o sucesso mundial da Bossa Nova, no início dos anos 60, a Música tornara-se a manifestação cultural mais vibrante no Brasil, e que – com o advento da Jovem Guarda, por volta de 1965 -, entrou na era da Cultura de Massa, especialmente com o advento da televisão.
Nos anos que antecedem o AI-5, havia um clima de aparente união no interior da classe teatral, que se rompe, a partir de 1968.
Segundo classificação de Augusto Boal, a partir de então, passam a existir três tendências irreconciliáveis, dentro do chamado teatro de esquerda:
1. TENDÊNCIA TROPICALISTA – representada pelo grupo Oficina, a partir da montagem de O Rei da Vela, de Oswald de Andrade. Esta corrente, apesar de originária da esquerda, estaria mais próxima da direita, pelas características assumidas: neo-romântica, inarticulada, tímida, gentil e importada.
2. TENDÊNCIA NEO-REALISTA – Ligada à obra de Plínio Marcos. Importante por retratar a vida brasileira, mas resultava mais documental que combativa, por promover a empatia entre espectador e personagem.
3. TENDÊNCIA EXORTIVA – Ligada ao Teatro de Arena e ao CPC. Utiliza a fábula e seus esquemas maniqueístas para compor a alegoria do presente, condenando os exploradores e exaltando o povo.
Esta análise de Boal, que talvez possa ser questionada em vários aspectos, reflete na verdade o sentimento de grande parcela da esquerda artística do período, que, a partir daquele momento, passou a questionar duramente qualquer teatro que se afastasse do parâmetro de estrito engajamento político.
A respeito disso, Carlos Heitor Cony escreveu, numa coluna para o jornal Folha de S. Paulo, em 05 de maio de 2003: “(...) a atividade cultural sofreu, naquele sombrio período, o duplo policiamento do Governo e das esquerdas. (...) Houve casos em que o mesmo cara era preso pelo Regime de direita e patrulhado pela esquerda. Poderia citar alguns exemplos do duplo policiamento que tentou marginalizar alguns intelectuais e artistas. Poucos resistiram e deram a volta por cima.”
Já no final dos anos 60, muitos artistas e intelectuais começaram a redefinir seus caminhos. O Teatro Brasileiro de cunho político entrou em crise, com o desaparecimento de grupos paradigmáticos como o Arena, o Oficina e o Opinião. Os motivos são, basicamente: dificuldades econômicas, dificuldades com a censura e dificuldades com o repertório.
A partir de então, os artistas nacionais passaram a buscar novas maneiras de enviar suas mensagens ao público.
O impacto do programa do Governo Militar para a Cultura começa a se fazer sentir efetivamente, portanto, no começo dos anos 70. No dia 21 de janeiro de 1970, foi baixado o Decreto-Lei 1077, que estabelecia a censura prévia a livros, jornais, peças teatrais, etc. A justificativa do decreto era feita com base na Doutrina de Segurança Nacional.
No Teatro, a figura do empresário ganha vulto, passando a mediar as relações entre o artista e o Estado. Através da injeção de grandes quantias de dinheiro, via financiamentos, o Estado eleva consideravelmente os custos das produções, dificultando muito as iniciativas desvinculadas do esquema empresarial.
A atuação da figura do empresário na empreitada teatral gerou ainda outras conseqüências, entre as quais:
1. A despolitização da luta contra a censura, que passa a ser questionada apenas no sentido econômico, e não mais no ideológico: não se reivindica mais o fim da atividade censória, mas apenas se reclama de seus rigores e excessos, enquanto prejudiciais à sobrevivência econômica da atividade profissional;
2. A tentativa de inserção da propaganda teatral nas emissoras de TV e nos programas estatais, via AERP (Assessoria Especial de Relações Públicas), desconsiderando o fato de que se estava buscando estabelecer parceria com um Estado ditatorial e altamente repressivo.
No que toca às questões estéticas, em decorrência da necessidade constante de burlar os rigores da censura, os artistas da década de 70 se vêem obrigados a recorrer a uma série de artifícios que possibilitassem a veiculação de seus trabalhos. Dentre os recursos utilizados, são especialmente recorrentes a metáfora e a apropriação de fatos históricos antigos que refletissem o momento presente.
Outro fato que traria desdobramentos desastrosos: a cultura de resistência da década de 70 passou a se utilizar de instrumentos de mercado para sua veiculação. O teatro de resistência adquire, assim, valor comercial. A idéia é fazer oposição ao Sistema a partir dos canais do próprio Sistema. O produto cultural engajado torna-se uma mercadoria altamente vendável.
Na contramão dessa tendência, começaram a surgir, sobretudo no miolo da década, inúmeros grupos independentes, que advogavam a ineficiência de um trabalho cultural através de canais estabelecidos pelo Sistema, buscando novas formas de produção. Trabalhos cooperativados, criações coletivas, procura do estabelecimento de novas relações palco-platéia são alguns dos caminhos trilhados por estas novas companhias.
Curiosamente, os artistas que produzem para o mercado, nos anos 70, em sua maioria, são os mesmos que estavam em atividade na década anterior; excetuada, obviamente, aquela parcela da intelectualidade que se encontrava no exílio.
Surgem, também nesta década, organismos que, com apoio do Estado, estavam voltados para o estabelecimento de uma política cultural em nível nacional: EMBRAFILME, FUNARTE, PROJETO MINERVA e TV GLOBO, que começam a atuar como administradores da cultura.
Trata-se de um período em que a produção internacional – sobretudo a norte-americana – invadiu maciçamente o mercado nacional, obrigando a classe artística brasileira a empreender um esforço considerável no sentido de retomar seu mercado; aliando-se, nesta luta, não poucas vezes, ao Estado ditatorial, que assume um papel aglutinador. Nesta batalha, a questão ideológica acaba sendo posta em segundo plano, em prol de um projeto de identidade nacional assumido pela ditadura e encampado por uma parcela significativa da classe artística brasileira. Os efeitos nefastos desta questionável aliança são sentidos muito especialmente na área cinematográfica: nestes anos, muitos cineastas ligados ao Cinema Novo aderem à política cultural da ditadura.
A partir de 1979, já na gestão Eduardo Portela, os documentos oficiais definidores das diretrizes para a cultura assumem um novo discurso. Não são poucos os textos que falam de um planejamento participativo, com vistas ao interesse comunitário das parcelas da população menos favorecidas. Embora a tentativa esboçada pelo grupo de Portela tenha fracassado, é interessante observar os motivos da definição desta proposta, que intentava conferir uma nova orientação para os investimentos governamentais daquele momento, para a área cultural.
Tal discurso, embora à primeira vista pareça bem intencionado, ainda estabelece uma oposição entre a cultura popular e a da elite, mantendo – em essência - a argumentação conservadora do pensamento tradicional sobre o popular, e fazendo ressurgir o tema da democracia, embora sob uma nova roupagem.
Na tentativa de responder a uma pergunta que ele mesmo se lança em "Cultura Brasileira & Identidade Nacional", a respeito dos motivos que teriam levado à mudança no discurso governamental relativo à cultura durante a gestão Portela, Renato Ortiz argumenta: ao intentar o desenvolvimento de um trabalho de base junto às comunidades, não estaria o Estado buscando cooptar as lideranças das chamadas comunidades de base?
Por fim, encerrando esta reflexão a respeito da Política Cultural adotada pelo governo durante a Ditadura Militar, importa mencionar que, ao longo de todo o período, foram empreendidos esforços pelo Estado no sentido de definir-se enquanto um campo neutro.