13/04/2009

As Intrincadas Relações do Poder e da Arte através dos Tempos - Parte 3

Arte de Resistência – Teatro de Resistência

Ao tratarmos do teatro militante de cunho oficial, nos reportamos à Tragédia Grega. Em contrapartida, é também da cultura grega que extrairemos o primeiro exemplo de uso intencional da Arte com finalidade de contestação. Referimo-nos a uma Poesia altamente engajada, no sentido de opor-se ao status quo; uma Poesia de resistência:

“Só quando chegamos a Hesíodo encontramos uma poesia que transcorreu no mundo camponês (...). Os assuntos, padrões e ideais que a caracterizavam são os dos camponeses – a gente oprimida pela nobreza terratenente. O significado histórico da obra de Hesíodo deve-se ao fato de ser a primeira expressão literária de tensão social e do antagonismo de classes (...) é a primeira voz que se ergue em prol da justiça social e contra a arbitrariedade e a violência. Em suma, o poeta assume pela primeira vez uma missão política e educacional, em vez da tarefa que a religião e a sociedade cortesã lhe haviam destinado, propondo-se a ser um professor, filósofo e defensor da classe oprimida.” (Arnold Hauser)

Já no campo teatral, podemos observar a preocupação demonstrada pelo Poder político romano diante de um tipo de comédia popular originada nos arredores de Nápoles: a Atelana, uma farsa bastante apimentada na qual qüiproquós, complicações, pancadarias, desordens e disparates diversos compunham o tempero que, por inúmeras vezes, uma pontinha de sátira política vinha animar.
Margot Berthold, em História Mundial do Teatro, aponta para outro episódio da História da Arte em que o Teatro adotou um posicionamento que desafiava o status quo. A passagem do século XIV para o século XV, em fins da Idade Média, foi um momento em que a solenidade dos eventos litúrgicos viu-se invadida pela linguagem, o vestuário e o gestual populares que, com seu vigor irrefreável, fizeram romper o pacto que a cena de então mantinha com a história bíblica.
Saltamos agora para o século XX, na Alemanha de 1920. O país era dirigido pela Coalisão de Weimar, formada pelos partidos Social Democrático, Centro Católico e Democrata Alemão.
As forças de esquerda, naquele momento, estavam agrupadas em torno da Liga dos Espartaquistas, que mais tarde daria origem ao Partido Comunista Alemão.
A radicalização de uma proposta política de oposição através do teatro começa, então, a se concretizar, naquele país, a partir das experiências desenvolvidas por Piscator e Hermann Schüller, no recém-fundado Teatro Proletário – Cena dos Operários Revolucionários da Grande Berlim. Era uma prática teatral assumidamente efetivada com finalidade de agitação e propaganda (Agitprop). Um Teatro de resistência.
O ponto de chegada destas contribuições, a partir das quais foi se constituindo – conceitual e formalmente – o chamado Teatro Político, sistematizou-se, indubitavelmente, no trabalho do teatrólogo, encenador e dramaturgo Bertolt Brecht (1898 – 1956).
Nos Estados Unidos da América do Norte, país-símbolo do sistema capitalista, os preceitos do Agitprop acabaram por redundar, algumas décadas mais tarde, num teatro de características bastante diversas das do alemão; embora acalentando em comum o mesmo desejo de oposição: a tendência rebelde do Teatro da década de 1960, nos EUA – o denominado “teatro independente radical”, que congregava grupos como o “Living Theatre”, o “San Francisco Mime Troupe”, o “The Performance Group”, o “The Open Theatre”, o “Bread & Puppet” e o “Teatro Campesino”.
Voltemo-nos agora para o Brasil, onde a tradição de um teatro engajado, de resistência, não é fato recente.
Ainda que sem recuar excessivamente no tempo, podemos colher nas manchetes do jornal paulista A Província de São Paulo, atual O Estado de S. Paulo, no ano de 1877, a seguinte notícia: “A polícia proibiu a montagem de ‘A Cabana do Pai Tomás’, anunciada pela empresa Guilherme da Silveira, alegando o assunto da peça ‘ferir a escravatura, uma instituição legal’.”
Mas foi em vão. Àquela altura, o engajamento da classe teatral paulista na luta pela emancipação dos escravos já era um fato.
Chegando ao século XX, mais precisamente no dia 09 de janeiro de 1932, encontramos o ator Jaime Costa anunciando a estréia de Andaime, de Paulo Torres, espetáculo com o qual - segundo o próprio Jaime - estariam lançadas as bases para o desenvolvimento do Teatro Social no Brasil.
Esta postura, no entanto, ainda permaneceria por muitas décadas adormecida, e só voltaria a estar no centro das discussões de grande parte do teatro brasileiro da década de 1960, sobretudo através da ação que seria desenvolvida pelo Centro Popular de Cultura – CPC, e pelo Teatro de Arena de São Paulo.

Orleyd Faya
Diretora do Núcleo MOTIN

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