"De repente, os olhos são palavras."
(Pablo Neruda)
“Quem compreende que o mundo
e a verdade sobre o mundo são
radicalmente humanos, está preparado
para conceber que não existe um mundo
em si, mas muitos mundos humanos, de
acordo com as atitudes ou os pontos de
vista do sujeito existente”.
(W. Lujipen)
O conceito definidor de realidade é de uma natureza extremamente complexa. É pouco provável que qualquer um que se aventure neste campo seja capaz de chegar a conhecer a totalidade do chamado real, de tudo aquilo que compõe o conjunto de uma determinada sociedade. Tanto mais quando se tem em mente que a conceituação de uma determinada realidade – daquela fatia dela que habitamos, por exemplo -, nos é dada pelos diversos e heterogêneos grupos sociais e culturais que a compõem.
A partir do instante em que se multiplicam os pontos de vista sobre uma parcela específica do real, uma determinada definição dele certamente poderá (e certamente há de) parecer não-lógica ou até mesmo insana para qualquer um que a observe a partir de uma outra perspectiva.
A partir do instante em que se multiplicam os pontos de vista sobre uma parcela específica do real, uma determinada definição dele certamente poderá (e certamente há de) parecer não-lógica ou até mesmo insana para qualquer um que a observe a partir de uma outra perspectiva.
Assim, o mundo de qualquer pessoa resume-se àquilo que ela é capaz de captar dele através de sua consciência. E a consciência apreende as coisas por meio dos instrumentos de que dispõe para fazê-lo; dentre os quais está o olhar.
Pode-se dizer, portanto, que a realidade é um produto que resulta tanto da materialidade do mundo como do sistema de significação utilizado para dar-lhe uma determinada conceituação.
Em razão disso, numa temerosa tentativa de manter o meio em que vivemos conhecido e previsível, procurando evitar que a partir dele surjam quaisquer sinais que possam suscitar dúvidas ou questionamentos que nos conduzam a refletir sobre nossas identidades e sobre a identidade das coisas e das pessoas que nos cercam, buscamos manter nossa realidade estacionária, imutável objetiva e subjetivamente, estabelecendo para tanto uma rotina garantidora de um ambiente sólido, no qual possamos viver sem o incômodo de mudanças bruscas que possam vir a nos surpreender. Sem conflitos.
No entanto, na ausência de conflito o Teatro não existe. Uma ação só pode ser considerada dramática se tiver a capacidade de gerar interesses e paixões outros, que se oponham a ela. É só quando se dá o choque de um desejo consciente dirigido à obtenção de um objetivo determinado com outros desejos e outras paixões que a ele se oponham que vemos nascer o Drama.
É fascinante divagar sobre o que há de surgir dos encontros não sabidos que nos aguardam silenciosos nas esquinas percorridas por tantas diferentes e possíveis trajetórias que se oferecem ao nosso olhar. Venturoso será nos debruçarmos sobre elas!
Orleyd Faya
Orleyd Faya
Diretora do Núcleo MOTIN
FAGULHA
Ana Cristina César
Rio de Janeiro, 1952-1983
Abri curiosa
o céu.
Assim, afastando de leve as cortinas.
Eu queria rir, chorar,
ou pelo menos sorrir
com a mesma leveza com que
os ares me beijavam.
Eu queria entrar,
coração ante coração,
inteiriça,
ou pelo menos mover-me um pouco,
com aquela parcimônia que caracterizava
as agitações me chamando.
Eu queria até mesmo
saber ver,
e num movimento redondo
como as ondas
que me circundavam, invisíveis,
abraçar com as retinas
cada pedacinho de matéria viva.
Eu queria
(só)
perceber o invislumbrável
no levíssimo que sobrevoava.
Eu queria
apanhar uma braçada
do infinito em luz que a mim se misturava.
Eu queria
captar o impercebido
nos momentos mínimos do espaço
nu e cheio.
Eu queria
ao menos manter descerradas as cortinas
na impossibilidade de tangê-las
Eu não sabia
que virar pelo avesso
era uma experiência mortal.
Foto: Alan Sailer
Colaboração de Madeleine Alves
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