25/03/2009

As Intrincadas Relações do Poder e da Arte através dos Tempos - Parte 1

A certeza do potencial da criação artística enquanto elemento a conferir poder sobre o homem e sua realidade não é um dado propriamente novo na História Humana.
Já no Paleolítico, celebrando seus rituais mágicos, e fazendo desenhos no interior de escuras cavernas, encontramos o homem-caçador primitivo produzindo arte com objetivos inteiramente pragmáticos; visando alcançar, através de sua criação, benefícios econômicos diretos.
Com os mesmos propósitos, também, “(...) os caçadores da Idade do Gelo que se reuniam na caverna de Montespan em torno de uma figura estática de um urso estavam eles próprios mascarados como ursos. Em um ritual alegórico-mágico, matavam a imagem do urso para assegurar seu sucesso na caçada.”. (Arnold Hauser)
Assim, persistindo no exame da trajetória da humanidade ao longo dos séculos, concluiremos facilmente que desde sempre a Arte esteve relacionada à obtenção do Poder, em suas mais variadas formas.
Pelo mesmo motivo, em Roma, no século III, a Pintura veio a tornar-se, dentre todas as Artes, a mais popular.
Caso optássemos por continuar em nossa investigação, veríamos a coleção de nossos exemplos crescer, tendendo ao inesgotável. Mas o que colhemos até aqui já nos autoriza a vislumbrar, talvez, a possibilidade de que esta percepção ancestral do valor intrínseco da produção artística, enquanto instrumento de interferência efetiva no comportamento e na vida do homem, tenha sido um dos fatores a embasar as inúmeras e plurifacetadas relações que o Poder e a Arte têm travado através dos tempos.
O fato é que a Humanidade sempre percebeu a Arte como sendo capaz de propulsionar a mudança ou colaborar na manutenção do status quo. Por esse motivo, desde sempre houve, por parte do Poder instituído, um enorme esforço empreendido com o intuito de apropriar-se e/ou de manter o controle sobre os bens culturais da sociedade.
Exemplos disso podemos encontrar já em tempos remotos, a partir dos poucos registros que nos restam a respeito da produção artística do Antigo Oriente; pois que eles também atestam a utilização consciente que o Poder Real e o Poder Sacerdotal faziam das diversas modalidades de criação.
Notícias da utilização da poesia com fins de propaganda estão presentes também na produção poética da Idade Heróica, na Grécia.
A Idade Média traz consigo uma mudança radical nos padrões estéticos em vigor até então; uma mudança que reflete, nitidamente, o Poder Absoluto assumido pela Igreja, naquele período.
Já em Bizâncio, no século V d.C., era da corte que partiam as únicas encomendas para obras de Arte, mesmo aquelas cuja destinação final era a Igreja.
Também a Arte do século IX d.C. deriva em todos os sentidos dos ditames da Igreja todo-poderosa.
O século X vê surgirem as monumentais igrejas românicas, consideradas por muitos estudiosos do assunto como as mais importantes criações da Arte medieval. Denominadas fortalezas de Deus, estas construções extremamente amplas, sólidas e maciças não guardam relação alguma com o tamanho de suas congregações.
Mas foi somente na Idade Média tardia que a Arte passou a refletir o gosto da classe média, detentora do Poder econômico a partir de então.
Chegando à Renascença, o caráter artesanal da obra de Arte ainda continua predominando, em linhas gerais. O impulso inicial para a produção artística permanece sendo ditado por aquele que a encomenda, por aquele que paga por ela, pelo Poder econômico, portanto; e não pela inspiração espontânea daquele que a produz.
Ainda há um outro aspecto da questão que não podemos deixar de pontuar: também tem partido do artista, não poucas vezes, a procura por seu próprio regime de servidão, através de acordos que ele mesmo efetiva, ao longo da História, negociando seu ofício em troca dos beneplácitos do Poder – seja ele público, religioso, de cunho econômico, ou militar -, quase sempre com o intuito de alcançar e usufruir indevidamente de vantagens pessoais.
O mesmo tem acontecido com o Teatro.
Desde sempre, através dos tempos, o Poder tem se servido do Teatro, ora como instrumento de catequese, ora de propaganda, ou como forma de obter legitimação. Sempre no sentido de garantir o domínio e dar suporte à sua autopromoção. E, para fazê-lo, tem se valido de inúmeros expedientes: a força, a censura, o patrocínio, a cooptação. Desde há muito tem sido assim.
E no Brasil, não tem sido diferente. Os Governos - a despeito do dever Constitucional do Estado de garantir apoio à Cultura - têm patrocinado apenas o Teatro Oficial, e/ou têm tornado Oficial o Teatro que patrocinam.
As relações entre Poder e Teatro têm início, entre nós, a partir do seu emprego enquanto instrumento da catequese imposta pelos jesuítas aos nossos índios, tendo como mecenas a Igreja.
Documentos datados dos últimos anos do século XVIII, produzidos na Colônia portuguesa na América, determinam que haja “(...) obrigatoriamente espetáculos ao
menos por ocasião do aniversário do Governador da Província, das autoridades eclesiásticas ou em homenagem a membros da família real portuguesa.” (J. Galante de Souza)
Antes de ser Arte ou diversão, portanto, o teatro propunha-se como cerimônia cívica, atestando, mais uma vez, a incômoda relação de subserviência em que se mantinha diante das diversas esferas de Poder regulador da vida nacional.
No entanto, a ação mais efetiva do Poder do Estado sobre o Teatro, no Brasil, podemos considerar que se inaugura com a chegada da Família Real Portuguesa, que desembarcou no Rio de Janeiro, em 1808, fugindo dos exércitos de Napoleão.
Em 1810, o Príncipe Regente, futuro D. João VI, manifesta, por meio de um decreto, o desejo de que “(...) nesta capital se erija um teatro decente e proporcionado à população e ao maior grau de elevação e grandeza em que hoje se acha pela minha residência nela.” (J. Galante de Souza)
Alguns anos mais tarde, o Poder Real oficializaria suas primeiras exigências, em troca dos favores oferecidos. Um decreto de 1849 criou o cargo de Inspetor dos Teatros
Subvencionados, profissional que deveria “(...) fiscalizar o emprego dado pela direção de cada teatro aos auxílios concedidos e inspecionar, sobretudo, a marcha daquelas casas de espetáculos no que diz respeito ao cumprimento das obrigações, mediante as quais lhes teriam sido outorgados quaisquer subsídios.” (J. Galante de Souza)
A conclusão nos vem, ainda, através das palavras de Décio de Almeida Prado:
“(...) recapitulando e sintetizando, para terminar estes três séculos de domínio português, diríamos que o teatro brasileiro oscilou, sem jamais se sustentar, entre três sustentáculos: o ouro, o Governo e a Igreja Católica.”


Orleyd Faya
Diretora do Núcleo MOTIN

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