31/05/2009

ARTISTAS TRABALHANDO EM REDE NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO

Por Aldo Valentin


“Estamos sempre em regime capitalista.
Os pequenos e grandes acionistas controlam seus dividendos, e o mundo move-se, quando as Bolsas se movimentam; os salários dos trabalhadores são irrisórios, comparados aos orçamentos gigantes das empresas multinacionais; os consumidores são impotentes diante dos produtos, cuja qualidade é determinada pelos cálculos financeiros, que nada têm a ver com suas necessidades reais. Mais do que nunca, a produção e as trocas servem ao aumento da reprodução do capital e se organizam segundo as normas e as prioridades do mercado mundial. Mais do que nunca, a prosperidade das empresas se define pela rentabilidade de seus investimentos e a competitividade de seus produtos. Mais do que nunca, a interpenetração do capital industrial e do capital financeiro é a chave do poderio econômico”.
[1]
Chesneaux, Jean. Modernidade – Mundo.

1- INTRODUÇÃO
Inicio a minha colaboração com o MOTIN – Movimento de Teatro Independente, citando o pesquisador francês Jean Chesneaux, propondo contextualizar as problemáticas enfrentadas pelo setor artístico no processo de consolidação da importância social do artista e da arte nesta fase do capitalismo globalizado. Saliento que o fazer artístico não está imune a tal contexto e que por isso proponho uma breve reflexão sobre como tais fenômenos interferem nos processos artísticos.
Proponho também uma breve reflexão sobre a globalização, o desenvolvimento de ações em rede e as possibilidades que os artistas encontram para florescer em um contexto tão árido, quando se propõe a cooperar através do estabelecimento de ações em rede.

2 – CONTEXTO GERAL: A GLOBALIZAÇÃO
A globalização não é só um fenômeno econômico. Ela transforma a forma de organização das sociedades ao absorver com seus tentáculos: os indivíduos, os sistemas culturais, a política, o Estado-nação, a economia, a tecnologia e os processos de comunicação. Portanto, a arte nessa conjuntura passa a ser vista apenas como produto ou só mais um meio para a divulgação de produtos, serviços e marcas das grandes multinacionais. Segundo Octávio Ianni,
“tudo se desterritorializa e reterritorializa. Não somente muda de lugar, desenraiza-se circulando pelo espaço, atravessando montanhas e desertos, mares e oceanos, línguas e religiões, culturas e civilizações. As fronteiras são abolidas ou tornam-se inócuas, fragmentam-se e mudam de figura, parecem mas não são. Os meios de comunicação, informação, transporte e distribuição assim como os de produção e consumo, agilizam-se universalmente. As descobertas cientificas, transformadas em tecnologias de produção e reprodução, material e espiritual, espalham-se pelo mundo. A mídia impressa e eletrônica, acoplada a indústria cultural, transforma o mundo em paraíso das imagens, videoclipes, supermercados, shopping centers, Disneylândias”
[2].
Ou seja, a ação avassaladora da globalização muda também às formas de fabular, de criar, de produzir, de difundir e de apreciar a arte, permitindo poucas opções como possibilidade e transformando a diversidade cultural em um produto que tem que se encaixar em um ‘padrão-mercadoria’,
“a dimensão sociocultural da globalização corresponde às mudanças provocadas pelo fenômeno na compreensão do indivíduo como parte de uma comunidade e no seu papel para a formação do pertencimento social nos seus diversos níveis. Envolve questões como a alteração de padrões culturais, a de formação de redes de pertencimento social, a identidade cultural dos indivíduos e dos grupos locais, os movimentos sociais organizados e não-organizados.”
[3]
Dentro desta dinâmica, a ação da globalização atua ferozmente no sentido de transformar tudo e todos em parte integrante da sua proposta de ‘sociedade global’. Seu alvo principal é o indivíduo, que dentro deste cenário não busca mais a compreensão dos valores do cotidiano, das suas raízes, das suas tradições ou do seu contexto local, mas preocupa-se apenas em ter o ‘status’ e integrar o ‘padrão global’, através do poder, do dinheiro e da fama momentânea.
Mesmo o Estado foi desconfigurado e está enfraquecido na sua tentativa de regular a sociedade civil nacional, devido a exponencial diminuição do seu poder de intervenção, controle, direção e indução de ações benéficas à maioria da população. Os governos são obrigados a dividir e compartilhar a soberania dos Estados que governam com outras forças que atuam além do território nacional, para saber o que é viável regular e quais de suas normas serão respeitadas nesse contexto de ‘interdependência’ global’
[4]. Quando tentam formular leis e aplicá-las, os governos são forçados a levar em consideração o contexto econômico-financeiro internacional, ouvir e - muitas vezes - ceder às opiniões e pressões das grandes empresas transnacionais e dos diversos organismos internacionais existentes[5].
Devido a esses motivos e outros são complicadas as mudanças estruturais necessárias no campo cultural, a implantação de uma política cultural sólida e eficaz não existe em função de políticas partidárias reacionárias, as alterações urgentes na Lei Rouanet enfrentam barreiras devido a pressão das empresas, dos grandes captadores de recursos e das grandes agencias de marketing e publicidade, a regionalização da produção em televisão não acontece de fato devido a intervenção das grandes redes de tv, as propostas para fortalecimento do cinema nacional autoral enfrentam barreiras devido a ação dos grandes veículos de comunicação, ou ainda as dificuldades enfrentadas para que o orçamento do setor cultural seja ampliado, tendo em vista que muitos administradores públicos consideram a cultura como apenas um gasto e não investimento, só para citar alguns exemplos de até onde o fenômeno da globalização pode interferir de forma prática e contundente nos processos de criação, financiamento, difusão e apreciação das artes.
Desta forma torna-se necessário a participação dos artistas no processo de compreenção desses fenômenos para sua atuação eficaz com objetivo de frear esse movimento globalizante mordaz e a atuação em rede me parece bem pertinente como antídoto as ações da globalização que tentam ‘pasteurizar’ os sistemas culturais, conforme veremos a seguir.

3 - AS POTENCIALIDADES DA REDE
Para a compreensão da Rede, é interessante a leitura do livro “Sociedade em Rede” de Manuel Castells, onde esse pesquisador aponta com bastante detalhe a dinâmica da sociedade na era da informação.
Embora conceitualmente atuar socialmente em rede é um processo que deriva da ação da globalização sobre a tecnologia, a comunicação, a informação e as formas de pensar, é possível imaginar também que a atuação em rede pode ser um forte instrumento que amplia as potencialidades das ações dos artistas e da arte neste processo anti-barbárie.
Para Milton Santos, a globalização pode ser freada se pensarmos em uma perspectiva existencialista, onde o centro das atenções se volta novamente ao bem estar dos indivíduos, com o uso do desenvolvimento tecnológico a favor do desenvolvimento social e não apenas para fins puramente econômicos. Milton Santos defende o resgate das culturas regionais e locais como forças vivas que poderão se contrapor a globalização.
No entanto, para ocorrer essa reviravolta, é preciso que os artistas apreendam a trabalhar em rede participando de ações estratégicas que reforcem a importância da existência dos indivíduos enquanto cidadãos em sociedade e não apenas como mero consumidores de ‘produtos-padrões’ como atualmente é proposto pelos detentores da ação da globalização no mundo.
Trabalhar em rede significa trabalhar de forma real, onde as ferramentas principais são: a tecnologia, a comunicação e a velocidade e precisão no fluxo das informações. Podemos entender o movimento de rede, principalmente esse que busca transformações sociais profundas em prol do bem estar da sociedade, observando o ponto de vista do teórico Pierre Levy, onde a rede em si existe como meio de potencializar a ação do outro, não busca a hierarquia ou formalidade, mas tem como objetivo principal a captura de um problema que será resolvido, mas sempre será repensado, não existindo uma só solução estável. Isso se dá, pois as conceituações e as formulações de propostas quando postas em rede são inclusive objeto de inter-relação com a sociedade e com as demais estruturas de poder, que passam a manter um relacionamento igualitário, de interlocução, não se colocando de forma hierárquica como são vistas tradicionalmente. Na rede esse inter-relacionamento é uma forma de ‘potência em devir’ para transformação, pois estabelece outra forma de ver e de resolver os problemas do setor, reconfigurando-o.
Para trabalhar ‘em’ e ‘com’ arte atualmente é necessária a atuação em rede, participar dos debates que são travados hoje pelos artistas, empresários culturais, representantes do Ministério da Cultura, representantes de secretarias estaduais e municipais de cultura, redes de artistas como “MOTIN- Movimento de Teatro Independente”, “Arte contra a barbárie”, “Redemoinho”, “Núcleo de festivais”, “Confederação de teatro amador”, etc. Tendo em vista que participar desses movimentos envolve compreender e agir buscando mudanças sobre como a produção cultural tem sido vista nestas duas últimas décadas, como tem sido financiada e exigindo urgência no estabelecimento de políticas públicas mais eficientes ao setor cultural.
Portanto, a atuação em rede visa facilitar e estimular o indivíduo a participar de coletivos de ajuda mútua, a desenvolver atividades em cooperação e em associação; o objetivo da rede deve ser sempre o de potencializar as ações de valorização da diversidade cultural e os projetos locais.

4 - ARTISTAS TRABALHANDO EM REDE: SUGESTÕES DE AÇÕES PRÁTICAS
Apontarei a seguir algumas ações práticas que podem exemplificar as diversas possibilidades de atuação em rede:
· Possibilidades em de formação
Ø Projetos de formação de grupos: orientação técnica e artística, encontros e oficinas.
Ø Projetos que integrem núcleos artísticos e universidades. (ex.: Lume/Unicamp).
· Possibilidades no campo da criação
A criação tem história e é feita de diálogos múltiplos, há várias possibilidades de trabalhar em rede também na esfera dos processos criativos, nos campos da dramaturgia, da encenação e da interpretação; bem como mantendo uma relação mais intensa com as outras linguagens artísticas (cinema, música, dança, artes visuais) e também outras áreas cientificas que possam colaborar na fundamentação de processos criativos (filosofia, sociologia, literatura, etc.). Pois,
“Hoje, em meio a tantas possibilidades de comunicação, ocasionadas, sobretudo pelo burburinho da internet, ela rompe as fronteiras da autoria e até mesmo a necessidade da presença física do artista no momento da feitura da obra. Nesses processos, não há regras fixas e a experimentação permeia os espaços criativos. Tudo é possível nesse campo, desde concepção em duplas ou em coletivos multidisciplinares até espetáculos e obras construídos por anônimos em rede”.
[6]
· Possibilidades no campo da gestão
Ø Atuação em modo de cooperativa.
Ø Desenvolvimento de associações regionais de artistas, que possam catalisar as necessidades gerais e propor projetos e programas que sirvam a todos os coletivos, grupos e artistas.
Ø Estabelecimento de empresas específicas do setor cultural através de técnicas do empreendedorismo.
Ø Desenvolvimento de consórcios municipais para o desenvolvimento de projetos conjuntos.
Ø Realização de encontros semestrais com todos os secretários municipais de cultura, buscando maior integração, compartilhamento de problemas e soluções para questões que são comuns a todos, transferência de informações sobre gestão e política cultural.
Ø Atuação em parceria com outras áreas que se inter-relacionam com o campo da gestão cultural, tais como: direito, economia, turismo, educação, etc.
· Possibilidades no campo da difusão das artes
Ø Estímulo à criação de festivais, independente do porte do município.
Ø Estabelecimento de calendário e programas de financiamento a festivais.
Ø Atuação em rede e em cooperação com os festivais existentes, sendo na ação de criação e produção de novas obras ou na circulação de espetáculos.
Ø Desenvolvimento de corredores culturais de cultura, facilitando o trânsito dos artistas entre os diversos municípios de uma micro região, barateando o custo e permitindo que pequenos e médios municípios recebam espetáculos que antes não receberiam, pois dividiram os custo com os municípios maiores.
Ø Organização de circuitos e caravanas.
5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Rede é uma teia onde os diversos interlocutores estão interligados, interconectados de forma igualitária e não hierárquica, tendo como base de sustentação a meu ver, 4 fundamentos: a cultura, a educação, a cidadania e a igualdade.
O primeiro passo é reconhecer que o processo de globalização até então hegemônico pode ser controlado, onde através de novas formas de desenvolvimento podemos agir em busca de uma perspectiva de inclusão social, propondo uma outra forma de organizar a sociedade onde os principais fundamentos sejam o estabelecimento de equilíbrios através da busca incessante pelas liberdades e diretos dos indivíduos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BEDIN,Gilmar Antonio. “A Sociedade Global e suas possibilidades de realização:um olhar a partir das relações internacionais”. In: OLIVEIRA,Odete Maria de. JÚNIOR, Arno Dal Ri.(orgs.).Relações Internacionais: interdependência e sociedade global.Ijuí-RS:Ed.Unijuí,2003.páginas 505 a 536.
CASTELLS, Manuel. A Sociedade em rede – a era da informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra,1999.
DELEUZE, Gilles. O ato de criação. Palestra em 1987. in: Folha de São Paulo,27/06/1999.Tradução:José Marcos Macedo.
Faria,José Eduardo (org.). Direito e Globalização Econômica: implicações e perspectivas. São Paulo:Malheiros,1994.página 11.
KUPER, Adam. Cultura: a visão dos antropólogos. Bauru-SP:Edusc,2002.
LEVY. P. O que é virtual ?.São Paulo:Editora 34,1998.
OLIVEIRA,Odete Maria de. JÚNIOR, Arno Dal Ri.(orgs.).Relações Internacionais: interdependência e sociedade global.Ijuí-RS:Ed.Unijuí,2003.
OLSSON,Giovanni. “Globalização e atores internacionais:uma leitura da sociedade internacional contemporânea”. In: OLIVEIRA,Odete Maria de. JÚNIOR, Arno Dal Ri.(orgs.).Relações Internacionais: interdependência e sociedade global.Ijuí-RS:Ed.Unijuí,2003. paginas 537 a 563.
ROCHA, Cristina T. da Costa. BASTOS, João Augusto de Souza Leão A. CARVALHO, Marília Gomes de. “Aspectos da Sociedade em rede na era da informação”.In:Revista de Educação & Tecnologia do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia dos CEFETS PR-RJ-MJ.Páginas 78 a 100.
SANTOS, Milton.Por uma outra globalização. Rio de Janeiro:Record,2000.
Verunschk, Micheliny. “Caiu na rede... é artista! A era da criação partilhada chega às artes”.in:Continuum Itaum Cultural:criação e conexão. São Paulo: Itaú Cultural,11 de junho de 2008.
Artigo escrito originalmente como Comunicação resultante da
participação do pesquisador na mesa redonda “ Trabalhando em Rede” ,
realizado no Teatro Santa Roza em 30 de agosto de 2008, dentro da programação
da XIV Mostra Estadual de Teatro e Dança.
João Pessoa – Paraíba – 22 a 30 de agosto de 2008.
Disponibilizado em:
http://www.administradores.com.br/home/aldovalentim/producao_academica

[1] Chesneaux, Jean. Modernidade – Mundo. Rio de Janeiro:Vozes, 1996. página 189.
[2] Ianni,Octávio.A sociedade global. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira,1996.
[3] Olsson,Giovanni. “Globalização e Atores Internacionais:uma leitura da sociedade internacional contemporânea””.in:Oliveira,Odete Maria de;Júnior,Arno Dal (orgs.). Relações Internacionais:interdependência e sociedade global.Ijuí-RS:Ed.Unijuí,2003.páginas 537 a 560.
[4] Conforme Faria,José Eduardo (org.). Direito e Globalização Econômica: implicações e perspectivas. São Paulo:Malheiros,1994.página 11.
[5] Tais como ONU-Organização das Nações Unidas, OMC-Organização Mundial do Comércio, FMI-Fundo Monetário Internacional, só para citar alguns exemplos.
[6] Verunschk, Micheliny. “Caiu na rede... é artista! A era da criação partilhada chega às artes”.in:Continuum Itaum Cultural:criação e conexão. São Paulo: Itaú Cultural,11 de junho de 2008. pág.5.

Um comentário:

Vini disse...

muuuuito bom!
concordo e acredito q esse tipo de reflexao deve ser discutido sempre.