28/05/2009

POLÍTICA CULTURAL - Quem tem medo desse bicho? - Terceira Parte/Final

Por Fausto Fuser

A Jóia da Coroa brasileira contemporânea chama-se PETROBRÁS, que vai ter de fazer uma faxinazinha rapidinho: uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) está em vias de ser instalada no Senado Federal, com quase uma dezena de levantamentos de suspeição... quase todos por indícios levantados pela Polícia Federal ou por tribunais de fiscalização de contas na receita pública – que é para onde flui (ou deveria) toda a massa de taxas e impostos que você, seus pais, irmãos, tios, avós, sobrinhos, amigos, inimigos, professores, dentistas, médicos, enfermeiros, choferes de ônibus, padeiros, confeiteiros, jornalistas, jornaleiros, lixeiros e carteiros e mais uma montanha de muitos milhões de pessoas trabalhadoras mandam entre 35 e 46% de tudo o que recebem (mas não usufruem) com o sacrifício do trabalho diário. Isto, os que têm a felicidade de ter onde trabalhar... (Claro, quem ganha muito bem sabe como se livrar dos leões e das hienas e nada pagam... Os idiotas somos nós, os médios e os pequenos...).
Como?!!! Interrogar a Jóia da Coroa???! A minha coroa?! - Um bafafá, um Deus-nos-acuda! Perdeu-se a compostura imperial, acabaram-se as medíocres performances “humorísticas” e as piadinhas grosseiras de sempre... chamou-se a oposição de um monte de nome feio – exatamente os mesmos de que foram chamados eles, enquanto eles eram a oposição...
Mais uma generosa rodada de pizzas tamanho gigante está prevista para breve.
E, nas televisões, no primeiro pronunciamento em “defesa” da Petrobrás, no rol das boas coisas que a empresa criada por Getúlio Vargas e defendida com bravura por Monteiro Lobato, Graciliano Ramos, Luiz Carlos Prestes e muitos milhões de patriotas tão diversos entre si, para qual atividade daquela empresa sobraram as mais lindas palavras, comoventes, quase líricas, qual foi, eihn?... Se alguém que não ouviu aquele tango-canção nas televisões em horário nobre, será capaz de adivinhar o que de bom a gigantesca companhia de petróleo realizou, em nosso amado país, além de tirar óleo e tudo aquilo que é a sua função óbvia? Pois fique agora sabendo: foi fomentar as artes e a cultura do Brasil!!! É uma Cia. Cultural!!! Viva ela! Não toquem nela!!!
Isso mesmo!!! A cultura e as artes brasileiras!!! Claro, como Getúlio não pensou nisso?! – Petróleo mais Cultura e Artes!! A soma perfeita, a simbiose natural dos melhores produtos nacionais!!! Viva o Brasil!!! Viva eu, viva tudo! Viva o Chico Barrigudo!! Hoje tem circo!!! Como sempre, senhor!!! Tem marmelada!!! Tem goiabada!!! Tem cachaçada?
Desculpe, mas... e o palhaço, quem é?
Os engenheiros e os administradores e a malta toda de aspones em seus cabides de emprego na Petrobrás, as centenas de executivos classe A, e classe B, e classe C, até Y e Z, todos eles, desde pequenininhos são notórios apaixonados pelas artes e pela cultura do nosso amado país – além do bom e grudento petróleo, naturalmente, que tomam em estado puro no café de toda manhã, amém.
Pois é.
E nada de Ministério da Cultura digno desse nome. (Em países como a Polônia, por exemplo, esse ministério chama-se claramente, com todas as letras de Ministério da Cultura e das Artes – e atua nesses terrenos, com eficácia e muita seriedade. E nunca ninguém ri, mesmo às escondidas, do ministro no cargo). Bom, mas por aqui, as artes ficam por conta do Bonifácio, como se sabe.
Para que ter que responder pelos cuidados, pelas incômodas seleções e pelos segredos dos julgamentos e as dores de cabeça resultantes dessas propostas de atividades de pessoas tão discordantes, tão críticas, tão independentes, tão diversas e tão reivindicantes como são esses malditos artistas? O ministério ficaria cheio de cabeludos mal vestidos pedintes pelos corredores, haveria pressões públicas (já chegam as reservadas!) e protestos e passeatas e assembléias e reclamações... uma chatice!
Então, um Belzebu soprou nas orelhas do imperador e ele passou a bola para a Petrobrás, que teria uma conta muito alta a “contribuir com a receita” graças aos lucros fantásticos a cada ano, e é nessa historinha de “Promoção Cultural” que entra, confortavelmente, a famigerada Lei Rouanet!
Mas não está só: tem a boa companhia dos bancos, cias.de seguros e toda uma nata de empresas milionárias, a dispor de uma grande quantia para “mecenar” as artes e a cultura brasileira... Bonzinhos...esse pessoal, esses bancos... a Petrobrás... bonzinhos...
Falou-se muito blá-blá-blá dessa tal Lei Rouanet, mas ninguém a chamou por seu verdadeiro nome, que é o de mordaça fatal dos produtores culturais e artísticos independentes, que estrangula os principiantes e mata pesquisas e originalidades, que amortece e atordoa seus solicitantes com tantas imposições burocráticas e formais, com suas despesas insuportáveis pelos serviços de intermediários, despachantes e de formalizações cartoriais que já os elimina a muitos no meio do caminho. Os felizardos que conseguem chegar até o julgamento seletivo, vão cair no primeiro confronto com os gigantes promovidos pela grande indústria das comunicações e pelos notórios já protegidos da grande imprensa.
Nada contra os grandes e reconhecidos artistas e criadores consagrados. Nada contra os meios de muita força na televisão e imprensa e suas preferências. Eles não precisam de Deus para nada, mas mesmo assim... que Deus os protejam, a todos...
Só que os recursos das empresas financiadoras (troca de imposto de renda por mecenato dirigido e muito bem comportado), geridos todos por uma empresa que visa lucros (ou não?), estão longe de ser o oxigênio de que necessitam as artes e a cultura de uma nação.
De uma nação!!! De um país inteiro, com suas diversidades de origem, formas e nuances regionais!!! Tudo no mesmo fundo, tendo com juízes pouco sabe Deus o que o Diabo muito tramou.
Como pode um Estado digno desse nome, abster-se de assumir a cultura e as artes de sua própria nação?!!! Que irresponsabilidade enorme é essa?!!!
Nestas últimas semanas, a Lei Rouanet surgiu em tantos e tão canalhas discursos, que me dispenso de comentá-los. Se não fosse por mais nada, por asco insuportável! Mas já o fiz, em síntese, em outros artigos deste Blog Motin. Nada mudou, só houve a confirmação das desculpas patifes e medíocres e a ausência total... da desejada política cultural!!! E mesmo de certo pudor...
Pelo amor de Deus, não dá mais para se aceitar a Lei Rouanet como se ela fosse a própria Política Cultural do país!!! Um ministro que ousa dizer isso, deveria ser aposentado... (para dizer o mínimo).
Onde estão os nossos grandes atores e atrizes para irem a Brasília, saírem nas fotos e noticiário colorido? Podem aproveitar e, sendo úteis, esclarecer as coisas ao patrão do tal mini-ministro.
A patifaria reinante na cultura e nas artes reina solta. Mas não só. Tragicamente, como
afirmava o alemão B. Brecht: - “É tudo uma coisa só.”
É dolorido reconhecer que as nossas coisas nas artes e cultura estão acompanhadas no mesmo nível de irresponsabilidade pelas coisas da educação, da saúde, dos índios, da natureza, dos valores jurídicos, dos direitos civis, trabalhistas, dos esportes, da segurança, dos transportes urbanos e interestaduais, da dignidade feminina e todo o seu entorno, da nossa efetiva independência diante de todas as religiões e crenças (isto é: somos ou não, um país “leigo”?), da efetiva independência dos três poderes... e, numa palavra: da efetiva igualdade de todos perante a lei...
Sei que os jovens gostam do discurso otimista. E têm eles toda a razão. Afinal, eles têm diante de si toda a vida, tudo a descobrir e a realizar. Por isso mesmo, pesei muito longamente estas linhas, antes de as escrever. Escrevo-as, juro, a contragosto. Mas não quero trair os eventuais leitores do Motin, não é do meu feitio... Não sou político.
Por outro lado, não posso achar muito engraçadinho o canadense “Cirque du Soleil” vir ao Brasil tendo o pesado das despesas pagas pelos nossos “patrocinadores-delegados culturais”, dispor de todo o espaço do mundo numa mídia milionária e cobrando preços muito acima da posse do trabalhador ou do cidadão comum. Várias visitas, à vontade!
Ou as visitas de inúteis monstrengos como “O Fantasma da Ópera” (- “Oh! Que lindo abajur!!!”) e muitos outros, subprodutos internacionais. Ou coisas como a deplorável vinda de artistas glamurosos às vésperas da aposentadoria em seus países; cantores e cantoras e bandas em repescagem oportunista; o insuportável Ballet de Cuba e o seu modelito, o também engessado e deplorável Bolshoi de Moscou , e todo um conjunto de “acontecimentos” pseudo-artísticos, ruidosos e com festejos pré-fabricados de louvação garantida, para deixar boquiabertas todas as bocas bobocas de incautos inertes.
Não têm também nada a ver com uma justificada e planejada Política Cultural, as festinhas “populares” que resolveram promover, quando se lhes dá na veneta (vai tudo no atacado, sem as dores-de-cabeça do varejo a exigir definições e critérios inteligentes). Então, algum funcionário disciplinado (não importa a sua formação profissional) é escolhido por Deus e é promovido a “agitador cultural” e estabelece, juntamente com assessores e conselheiros de política eleitoral dos chefes, o roteiro das cidades e locais mais interessantes eleitoralmente e inventa numa mesa de restaurante, a relação das bandas, cantores e cantoras e grupos e conjuntos de maior sucesso na grande mídia, no momento – e se for só isso, até que está bom, muito limpo, dentro do quadro nacional!
Tem de bom que oferece mais oportunidades de trabalho para quem já tem bastante trabalho. Tem de bom que o público adora se divertir – os romanos já sabiam disso e disso se valiam exatamente pelas mesmíssimas razões dos nossos brilhantes políticos. É a “Virada Cultural”, é a “Semana da Música”, é isto e mais aquilo! Qualquer coisa.
Mas, atenção: nenhuma pesquisa, nenhuma inovação, nenhuma ação contestatória, nenhuma oposição à forma estabelecida pelos padrões dos patrões, nada de buscas de raízes, nada de reconstituições e achados, nenhum grupo novato de valor. Revelação de talentos?!!! Revelação e estímulo aos novos?!!! Nem sonhar! Tudo só visando um resultado: agradar ao povão e juntar tudo à massa eleitoral do chefão do momento!
Se esses “acontecimentos” são Política Cultural, vamos trazer ao Brasil os restos mortais de Nero, o imperador romano, como nosso pioneiro cultural, nosso grande líder!
No mesmo pensamento e indo mais distante: podemos também buscar na Grécia antiga, o santo governante que inventou o “Ingresso Único” aos teatros para que os cidadãos livres de Atenas pudessem assistir aos festivais dramáticos. Pois foi com esse público nos seus teatros que se apresentaram Sófocles e todos os outros!
Como melhor poderão ensinar os professores de História do Teatro, cabia ao cidadão de Atenas, um ingresso permanente para assistir aos espetáculos. As mulheres, os escravos e os estrangeiros, não! Fora com esta gentinha indesejável! Mesmo porque, como todos sabem, mulheres, escravos e estrangeiros também não votavam nas assembléias!!! Deu para entender?!!! Está claro, agora? - Já naquela época!!!
Pois não é que um Belzebu muito do canalha soprou nas orelhas do imperador que aquilo sim que era imperador, porque dava um Bilhete Único permanente para todos os espetáculos de teatro da cidade?! Aquilo, sim, que era imperador esperto, disse o maldito Belzebu. E o imperador acreditou.
Pois acredite você também, eventual leitor, é verdade verdadeira: nosso imperador já encomendou aos seus aspones que façam as leis e os regulamentos da... BOLSA CULTURA!!!
Isso mesmo: a bolsa cultura brasileira!!! Cinqüenta reais para as famílias gastarem em... cultura, no país inteiro!!! Cinqüenta reais por mês! Que farra! O Chacrinha vai voltar!
É de pasmar, é verdadeiro! Isto sim que é circo, digo, Política Cultural!!! Belzebu revive assim, nossos profundos laços com a cultura greco-romana!!! Vivaaa!!!
O Brasil será o campeão mundial de Cultura... sem ter nada, coisa nenhuma, nadinha que possa ser chamado de... Política Cultural!!!
Os adidos culturais da Polônia, do Vietnam, do Afeganistão e da Coréia vão ter de explicar o fenômeno, em seus países natais...

Um comentário:

deseixas disse...

tá...

mas esquecemos uma coisa, CPI NÃO é o meio mais eficas de investigação, na verdade CPI nunca dá em nada, se quisessem investigar de verdade procurariam outros meios...

CPI é palanque para política!
40% da verba dos PAC's vem da petrobrás... muita gente da "oposição" queria ver os PAC's empacados...

e alguém sabe porque da CPI? se perguntou?
a idéia veio por causa de uma denúncia do jornal "O Globo"...
hummmm...
quem confia....