29/03/2010

A Bela e suas Feras - Maria Fernanda Cândido e o cirquinho

por Fausto Fuser

É anúncio publicitário... Não é para ser levado tão à sério... É só uma propaganda... Coisa de reclame... sabe? Assim, dentro das molduras do mundo permitido pela publicidade, a bela e talentosa atriz Maria Fernanda Cândido entra pela telinha da TV em minha casa e me informa: - “Ah! eu só me cerco de feras!... Meu maquiador tem que ser fera!... Meu iluminador só pode ser fera!... Minha cabeleireira é outra fera!... Minha figurinista é uma pantera!... Minha camareira é uma ferona!... O assistente é um fera terrível!...” Um circo de feras ao redor da bela artista, a seu exclusivo serviço.
Eu não respondo pela fidelidade absoluta das palavras da bela sobre suas feras, mas é essa a idéia da coisa. E é claro, eu nem sei o produto que afinal, a moça anuncia. Não esperei para ver.
O mundo da propaganda estava ouriçado pela chegada de alguns moços que sabem dirigir carros muito bem, e em altíssimas velocidades. Naquele momento estava o mundo da imprensa todinho ouriçado no chega que chega de chofer-de-carro-que-corre famosos, com holofotes e farofas!

Tanto que quase se esquece que, naqueles dias, se festejavam...as mulheres!
Então, naquele mundo, o do anúncio, da propaganda, do reclame, o mundo da bela e suas feras, e as feras promotoras do mundo da indústria do turismo babaca ligado à corrida de automóveis, as mulheres passaram à categoria de coisa menor.Vivia-se intensamente sob o calor emanado pelas rodas dos carros-foguetes.
Mas... nos inevitáveis noticiários, a chuva implacável e as mulheres mal vestidas que tentavam salvar suas máquinas de costura, suas televisões, suas panelas, alguns velhos sofás esburacados. Sem falar nas crianças penduradas nas costas, nos braços e as que pegavam carona nos ventres inseguros. Águas pestilentas invadindo lares costurados com restos de material imprestável, lixo misturado com enxoval recolhido da fome, casebres sendo abandonados com a dor jamais despendida pelo abandono de um palácio.
E a festa ao milionário chofer-do-carro-que-mais-correu!!! E os festejos antecipados pelos futuros craques, todos cevados pela indústria dos carros-que-correm e pelo capital que eles fazem circular. E pelos interesses que despertam, e também, em segredo, pelos inexplicáveis acidentes que os cercam. É a lubrificação oculta dos carros-que-correm e de toda uma espécie humana que, em contraste, prefere a sombra e o anonimato.

E gente babando diante da grande festa do Oscar, esnobe-e-caipira, na inatingível Hollywood, capital das feras. E os feras que ganharam a estatueta inexpressiva, fingindo felicidade de propaganda, reclame de si mesmos, remoendo o que lhes terá custado a batalha, feroz, por tal conquista.
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E as mulheres grávidas, agarradas a seus filhos pequenos e a seus lastimáveis trastes, tentando salvar-se das enchentes, dos desmoronamentos, antes que o mosquito da dengue volte a plantar sua saliva maldita no rosto dos meninos adormecidos de fatiga.
E a nossa atriz talentosa, formosa, participante instruída, cercando-se de feras – como se necessitasse dessa tralha para ser a pessoa, a mulher que é. Ela e todas as mulheres.

2 comentários:

Unknown disse...

Estou em transe pelo texto. Feliz escolha, da triste verdade. Obrigado.

Uan disse...

Mas nem tudo está perdido. Porque nós existimos! Artistas, pessoas que escrevem textos assim. Não feras. Mas ferozes se precisam ser. Não há mais o que dizer. Ação! Antes que alguém esbarre num botão que exploda o mundo.